A luta por uma cidade segura começa no espaço público: com as mulheres que caminham, cuidam e resistem
Caminhar. Um gesto tão cotidiano quanto vital. Mas, para milhões de mulheres no Brasil, especialmente negras e periféricas, caminhar é um ato de resistência. Um deslocamento que deveria ser simples se transforma em campo minado, feito de medo, insegurança e invisibilidade.
Em 17 de abril deste ano, Bruna Oliveira da Silva, mulher, mestranda da Universidade de São Paulo (USP), foi encontrada morta na Zona Leste da capital paulista. Estava desaparecida desde que saiu do Terminal Itaquera, espaço de circulação de milhares de trabalhadores e estudantes. Bruna não chegou ao destino. A cidade falhou. E, com ela, falhamos todos.
Segundo dados da Rede Nossa São Paulo (2023), 67% das mulheres da capital afirmam sentir medo de andar sozinhas à noite. E entre as mulheres negras, essa sensação é ainda mais acentuada. Essa realidade, no entanto, não é exclusividade paulistana. Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2021) apontou que 45% das brasileiras relatam terem deixado de sair sozinhas à noite por medo da violência.
As desigualdades aparecem nitidamente quando analisamos a chamada mobilidade do cuidado: deslocamentos cotidianos para tarefas de cuidado, como levar crianças à escola, buscar remédios, cuidar de idosos. Segundo o levantamento Sampa em Foco, do Instituto Pólis (2024), 62% das viagens associadas ao cuidado em São Paulo são feitas por mulheres, 53% das quais a pé. Dados da Associação Nacional de Transportes Públicos (2019) mostram que, nas cidades brasileiras, as mulheres também realizam mais deslocamentos por modos não motorizados, o que aumenta a exposição a riscos.
Contudo, onde falta o Estado, emerge a força da coletividade. Em São Paulo, o projeto Caminhando Juntas, do Instituto Caminhabilidade, engajou mulheres de territórios como Real Parque e Jardim Panorama para reimaginar suas rotas. Elas mapearam barreiras: calçadas precárias, iluminação insuficiente, ausência de mobiliários e sinalização, além da insegurança permanente. Mas também desenharam soluções, como melhorias na iluminação, criação de praças, ampliação dos espaços de convivência e caminhos seguros para parques e escolas.
Olhando para o mundo, vemos que outra cidade é possível. Viena (Áustria) incorporou a perspectiva de gênero no planejamento urbano desde os anos 1990. Toronto (Canadá) instalou botões de emergência nos pontos de ônibus. Seul (Coreia do Sul) treina motoristas de ônibus para combater o assédio. Paris está redesenhando ruas para privilegiar pedestres e ciclistas. E Bogotá (Colômbia) criou os “quarteirões do cuidado”, facilitando o acesso a serviços essenciais para mulheres cuidadoras.
No Brasil, algumas cidades começam a avançar, mesmo que timidamente. Recife, por exemplo, implementou o projeto Olinda Segura para Mulheres, que mapeou pontos de assédio e propôs intervenções urbanas baseadas na percepção feminina. Belo Horizonte criou o programa Espaço Delas, voltado a melhorar a segurança em pontos de ônibus noturnos.
Políticas estruturantes, como a Tarifa Zero, surgem como aliadas fundamentais para democratizar o acesso à cidade. Na Região Metropolitana de Salvador, o número é de 55,8%, segundo dados de 2022 da Secretaria de Mobilidade. Em Curitiba, mulheres também são maioria entre os passageiros do transporte coletivo.