Do voto ao direito de existir com dignidade — a luta feminista por um futuro mais justo e plural para todas as mulheres
Entender a trajetória histórica do feminismo, seus desafios e conquistas é crucial para entender o que significa ser mulher no mundo de hoje. Para isso, partimos de uma provocação essencial de Simone de Beauvoir, em sua obra O Segundo Sexo, publicada em 1949: “não se nasce mulher: torna-se.”
A frase, que sintetiza um dos fundamentos do pensamento feminista, resume em poucas palavras o conceito da condição feminina como uma construção histórica, social e política, moldada por normas, violências, mas também por resistências.
Aqui vamos discutir contexto histórico, político, como os marcadores sociais influenciam essa experiência e como o movimento feminista tem sido central na luta por transformações profundas na sociedade.
O que é feminismo?
O feminismo é um movimento social, político e cultural que luta pela igualdade de gênero e pelos direitos das mulheres. Ele questiona a estrutura patriarcal da sociedade, denuncia violências simbólicas e materiais, e propõe novas formas de organização social baseadas na equidade.
Mais do que isso, para responder à pergunta “o que é feminismo?” é preciso deixar claro que o feminismo é diverso, interseccional e busca o reconhecimento das diferentes formas de ser mulher, considerando os marcadores sociais da diferença como raça, classe, sexualidade e identidade de gênero.
Principais ondas do movimento feminista
O movimento feminista se desenvolveu em diferentes ondas históricas, cada uma com demandas, linguagens e protagonismos específicos. Vamos analisar essas ondas e entender a evolução do movimento:
Primeira onda do feminismo
A primeira onda do feminismo ocorreu entre o final do século XIX e o início do século XX. Suas principais pautas eram o direito ao voto, o acesso à educação e à participação política.
Entre as principais figuras do período estão as sufragistas — mulheres que lideraram campanhas organizadas e mobilizações históricas pelo sufrágio feminino, especialmente no Reino Unido, Estados Unidos e, mais tarde, no Brasil.
Um dos nomes mais emblemáticos foi o de Emmeline Pankhurst, líder do movimento sufragista britânico e fundadora da Women’s Social and Political Union.
Embora marcada pelo protagonismo de mulheres brancas, cisgênero e de classes médias urbanas, essa fase do movimento feminista foi crucial para inaugurar o debate público sobre os direitos das mulheres.
Ainda que limitada em termos de diversidade, a primeira onda plantou as sementes do feminismo contemporâneo ao desafiar as primeiras barreiras impostas pelo patriarcado há muito tempo institucionalizado e nunca antes questionado.
Segunda onda do feminismo
Entre as décadas de 1960 e 1980, a segunda onda ampliou o foco do feminismo, incluindo questões como sexualidade, direitos reprodutivos, violência doméstica e mercado de trabalho.
Foi nesse período que a pergunta “o que é feminismo?” começou a incorporar a crítica à opressão estrutural, apontando como o patriarcado se articula com outras formas de dominação, como o racismo e a homofobia.
Mulheres negras como Angela Davis e Lélia Gonzalez denunciaram a invisibilização de suas experiências dentro do movimento feminista hegemônico. Ao mesmo tempo, feministas lésbicas como Audre Lorde questionaram a heteronormatividade e o silenciamento de suas vozes.
Foi assim que esses tipos de reflexões abriram caminho para uma compreensão mais ampla do que significa ser mulher, tornando o feminismo mais atento à diversidade de trajetórias dentro da luta por igualdade.
Terceira onda do feminismo
A partir da década de 1990, a terceira onda trouxe a pluralização das “mulheridades”.
O feminismo passou a se tornar mais interseccional, reconhecendo as diferenças entre mulheres e valorizando a escuta de sujeitos históricos diversos, como mulheres trans, travestis e pessoas não binárias.
Uma das vozes mais potentes desse momento foi a da escritora, professora e ativista Bell Hooks, que denunciou como o sexismo se entrelaça com o racismo, o classismo e outras formas de opressão. Seu trabalho foi essencial para expandir o feminismo para além das experiências das mulheres brancas e de classe média.
Os marcadores sociais da diferença tornaram-se centrais para o debate, incluindo aspectos como a forma como mulheres negras são tratadas pela justiça, a violência policial que recai sobre corpos racializados e a dificuldade de acesso a serviços de saúde por mulheres pobres ou periféricas.
Mais do que isso, também é preciso falar sobre a violência contra pessoas trans quando sabemos que a cada 33 horas, uma pessoa trans é assassinada no Brasil, de acordo com o relatório da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
Exemplos práticos dessas desigualdades são vistos quando mulheres negras são as mais afetadas pela mortalidade materna, quando mulheres trans são excluídas do mercado formal de trabalho e quando mulheres pobres enfrentam barreiras para denunciar violência doméstica.
O feminismo da terceira onda passou, portanto, a questionar quem são as mulheres cujas vozes estão sendo ouvidas, e quais estão sendo silenciadas.
Principais conquistas feministas
O feminismo teve papel fundamental em conquistas históricas que mudaram a vida de milhões de mulheres no Brasil e no mundo. Leis como a Maria da Penha, a criminalização do feminicídio e a legalização da pílula anticoncepcional são resultados diretos da atuação do movimento feminista.
O movimento feminista também foi responsável por trazer o debate sobre o trabalho doméstico, a dupla jornada e a valorização do cuidado para o centro das discussões políticas.
Além disso, no mercado de trabalho, ainda que a desigualdade persista, hoje temos mais mulheres em posições de liderança e em espaços antes ocupados majoritariamente por homens.
Um exemplo dessa evolução histórica é quando lembramos que até 1932 as mulheres não podiam votar no Brasil. Porém, hoje as mulheres não só podem votar, como são votadas: 302 mulheres foram eleitas para cargos legislativos em todo o país nas eleições de 2022 – mesmo que ainda representem menos de 18% do total de parlamentares.