(Isabel Kopschitz, de O Globo) Mulheres avançam nos concursos para áreas consideradas masculinas
Nem é preciso ser muito atento para notar que as mulheres estão cada vez mais bem colocadas no mercado de trabalho da iniciativa privada. Mas há outro terreno, vizinho, que elas estão ocupando com tanta rapidez quanto: o das carreiras públicas. Como se não bastasse, estão mais interessadas — estudando e passando — em áreas consideradas tradicionalmente masculinas, como a fiscal, a de segurança pública, diplomacia e o setor jurídico.
Cursos preparatórios para concursos públicos atestam a crescente presença feminina em suas salas de aula. E a Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos Públicos (Anpac) informa que, desde 2009, a incidência de aprovação de mulheres nas seleções públicas superou a registrada pelos homens. A Anpac ressalta, ainda, que elas já representam, em média, 60% dos que tentam o setor jurídico e 48% dos concursandos para a área fiscal — um campo de ciências exatas e matemáticas no qual, há a alguns anos, as candidatas não costumavam se arriscar.
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Na esfera da segurança pública — as polícias civil, militar, federal e também a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), a presença feminina está crescendo de forma exponencial. Prova disso são os números da seleção para papiloscopista da Polícia Federal (PF), cujas provas estão sendo realizadas neste domingo: há 6.279 mulheres inscritas para apenas cinco mil homens. Trocando em miúdos, elas representam 55% dos candidatos a uma vaga na corporação.
— Pelo que nós temos visto, a mulher é mais dedicada do que o homem, nos concursos. Quando se mete a estudar, estuda para valer — diz Maria Thereza Sombra, diretora executiva da Anpac. — Não é à toa que elas têm conseguido, inclusive, melhores colocações do que eles.
Na segurança pública, o que vale é a vocação
Muitas vezes, o caminho não é fácil. Mas a persistência garante o êxito. Foi o que aconteceu com Lia Salgado. Aos 38 anos, divorciada e mãe de quatro filhos, a advogada e ex-bancária não se assustou com a matemática ao decidir que precisava fazer um concurso para fiscal de impostos. Era a área que proporcionava um “excelente salário”, conta, exatamente como ela precisava. Depois de estudar por três anos, ser reprovada em três concursos e ter aulas de contabilidade em seis situações diferentes, Lia passou (em quinto lugar) para fiscal de ISS da Prefeitura do Rio.
— Eu e meus filhos passamos três anos de muita privação. Mas valeu a pena — diz Lia, que escreveu o livro “Como vencer a maratona dos concursos públicos” (editora Litera), para contar a experiência e encorajar outras mulheres a tomarem a mesma atitude.
Por outro lado, é por vocação que as candidatas que querem a área de segurança pública prestam concurso, diz o professor Paulo Estrella, diretor da Academia do Concurso. Por esse motivo, afirma, só costumam fazer provas para instituições correlatas, seja nas polícias, na Abin ou na Seap, cujo exame de seleção, aliás, está sendo realizado hoje:
— As moças que buscam colocação nesse campo de atuação realmente gostam da ideia de trabalhar com armas e investigação. Só que a relação com o poder e o fato de se tornarem legítimas representantes da lei também mexe com o brio, com o ego delas.
50% são mulheres em curso para o Rio Branco
É esse tipo de atmosfera que busca Carla Diniz, sobrinha da atriz Leila Diniz. Aos 47 anos e mãe de duas meninas, a jornalista carioca se prepara há seis anos para os concursos da Polícia Federal. Ela espera conseguir uma boa posição na prova objetiva que fará hoje, através da qual concorre para agente da corporação.
— Eu gosto da parte investigativa, acho estimulante. Fiz o último concurso da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e quase passei — conta Carla, acrescentando que estabilidade e ganhos salariais foram os fatores que mais contaram, quando ela decidiu optar por essa seleção pública na área. — É sacrificante, sim, mas as mulheres da minha família são guerreiras, e puxei isso delas.
Na área de diplomacia, embora os homens ainda ocupem a maior parte dos cargos — hoje menos de um quarto do quadro de diplomatas do Itamaraty é composto por mulheres —, elas estão concorrendo mais a cada uma das vagas. E mais cedo. Como a recém-aprovada Natália Shimada, que, aos 23 anos, já garantiu seu lugar na diplomacia brasileira.
— Sempre tive muita vontade de trabalhar no exterior, mas pelo meu país, não por uma empresa privada qualquer — diz. — Sei que, para mulheres que querem ter família, é difícil essa vida (de diplomata), pois é raro que um homem largue as coisas dele para acompanhá-la, enquanto o oposto acontece com frequência. Mas estou aonde sempre quis estar.
Formada em jornalismo, Natália estudou durante um ano e três meses, conseguindo a proeza de passar na primeira tentativa, fato raro, devido ao alto nível do processo seletivo.
No curso Clio, que é especializado em preparar candidatos para as provas do Instituto Rio Branco, as mulheres representam a metade dos matriculados. Mas, como contraponto, as que passam ainda representam 25% dos aprovados. Segundo João Daniel Almeida, sócio do curso, a aprovação desproporcional é um fato intrigante, considerando que as alunas são muito dedicadas e fazem grandes sacrifícios pela causa.
Acesse em pdf: Invasão feminina nas carreiras públicas (O Globo – 05/05/2012)