Descobrir um câncer de mama antes dos 50 anos tem se tornado realidade para muitas brasileiras. Segundo dados do Painel Oncologia Brasil, uma em cada três mulheres diagnosticadas com a doença está abaixo dessa faixa etária. O dado chama atenção e levanta uma pergunta urgente: existe uma idade certa para começar a se cuidar? E o risco maior está nos genes ou nos hábitos que carregamos ao longo da vida?
À Eufêmea, a oncologista e presidente do Instituto Nosso Papo Rosa, Sabrina Chagas, explica que o perfil das pacientes tem mudado. Para ela, o aumento de diagnósticos em idades mais precoces exige mais conscientização sobre a importância dos exames preventivos e dos hábitos de vida saudáveis.
De acordo com Sabrina, apenas 8% a 10% dos casos têm origem hereditária: ou seja, ligados a mutações genéticas transmitidas entre familiares. Por outro lado, entre 30% e 40% dos diagnósticos estão diretamente associados ao estilo de vida, como sedentarismo, alimentação inadequada, tabagismo e consumo de álcool.
“A prática regular de atividade física ajuda a prevenir mais de dez tipos de câncer. Além disso, reduz o risco de hipertensão e diabetes. Não temos estratégia de prevenção mais eficaz do que essa”, afirma a médica.
E quando fazer a mamografia?
Sabrina reforça que a mamografia deve ser iniciada aos 40 anos, mesmo sem histórico familiar. Já mulheres com risco elevado por genética ou outros fatores clínicos, devem seguir um acompanhamento individualizado, com apoio de mastologistas, ginecologistas ou, sempre que possível, geneticistas.
“A mamografia atua no diagnóstico precoce e deve ser associada à ultrassonografia em casos específicos. Esses exames se complementam. Nenhum é superior por si só”, explica.
Nem todo histórico familiar indica risco para o câncer de mama
A oncologista Sabrina Chagas faz um alerta importante: nem todo caso de câncer na família representa risco direto para o câncer de mama. Segundo ela, é comum que pacientes relatem outros tipos de câncer entre familiares e interpretem isso como um indicativo de predisposição hereditária, o que nem sempre é verdade.
“Nem todo histórico familiar é indicativo de risco. Cânceres de cabeça e pescoço, por exemplo, têm relação com álcool e tabagismo. Já o câncer de colo de útero está ligado ao HPV. São contextos distintos. A hereditariedade no câncer de mama deve ser avaliada com cautela e critério”, explica a médica.
Para a especialista, é fundamental que o foco da prevenção esteja no que pode ser modificado. Embora existam fatores de risco que não podem ser evitados — como envelhecer, ser mulher, ter menarca precoce ou menopausa tardia —, o estilo de vida ainda é o principal ponto de atenção.
Escolhas que transformam a rotina (e a saúde)
Com o aumento de casos entre mulheres mais jovens, prevenção vai além do exame. Significa olhar para a rotina, identificar excessos e fazer escolhas que favoreçam a saúde física e emocional a longo prazo.
Um exemplo é a história de Cristiane María Soares Moreira, professora e artesã diagnosticada com câncer de mama aos 48 anos, em maio de 2022. Desde o tratamento, ela passou a se dedicar ao remo adaptado e ao balé, como formas de manter o corpo ativo, fortalecer a autoestima e viver com mais qualidade.
“O câncer não define quem eu sou”
Na época, Cristiane conta que descobriu que estava com câncer após realizar a mamografia e a ultrassonografia no mesmo dia. A médica responsável pelo ultrassom disse que havia apenas algumas calcificações, mas a técnica da mamografia decidiu repetir algumas imagens. Foi nesse momento que a mastologista identificou um sinal de alerta e comentou: se fosse câncer, provavelmente estaria em estágio inicial.
Cristiane buscou uma segunda e uma terceira opinião antes de confirmar o diagnóstico de carcinoma ductal in situ, um tipo de câncer que ainda não havia invadido outros tecidos. Embora os exames tenham descartado a necessidade de quimioterapia ou radioterapia, os médicos indicaram uma mastectomia radical, e a cirurgia acabou sendo mais extensa do que o esperado, com a retirada do mamilo e parte da musculatura das costas. A reconstrução mamária foi feita no mesmo procedimento.
“O peso da palavra ‘câncer’ pode causar medo e desesperança. Infelizmente, ainda há muitos tabus. O câncer despertou em mim a missão de amar cada vez mais a vida, mesmo quando os dias não são os melhores e as descobertas também não”, disse.
Perdas na mesma família
Dois meses após o diagnóstico de Cristiane, sua irmã mais nova, de 43 anos, também descobriu um câncer de mama — desta vez, do tipo triplo negativo, conhecido por sua agressividade. As duas foram acompanhadas pela mesma oncologista e realizaram o mapeamento genético, mas os resultados não indicaram alterações com impacto clínico direto.
Cristiane continua o acompanhamento anual com uma oncogeneticista, para monitorar possíveis avanços nas pesquisas relacionadas ao seu perfil genético. A experiência, segundo ela, é marcada por dores, perdas e aprendizados.
“Não dá para romantizar. Tirar musculatura das costas de quem pesava 48 quilos é doloroso. Tive que adaptar minha rotina, mudar a alimentação, fazer fisioterapia e Pilates para não atrofiar. Hoje faço balé e remo adaptado. Em alto-mar, me sinto viva. O câncer não define quem eu sou. Ele me ensinou a viver um dia de cada vez, a ser grata, a amar mais a vida”, afirma.
Estilo de vida e fatores de risco
Segundo a médica geneticista Ana Karolina Maia de Andrade, o aumento nos diagnósticos de câncer de mama em mulheres jovens tem relação direta com o estilo de vida moderno, marcado por obesidade, sedentarismo, alimentação inadequada e sono irregular.
“Essa vida corrida influencia e eleva os fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de mama mais cedo”, explica.
Mutação genética exige acompanhamento especializado
Embora os casos hereditários representem uma parcela menor dos diagnósticos, a médica destaca que tumores com origem genética exigem atenção redobrada. Quando identificados, podem demandar estratégias específicas de acompanhamento, tratamento e prevenção.
Entre os principais genes associados ao câncer de mama estão o BRCA1 e BRCA2, que ganharam notoriedade após a atriz Angelina Jolie divulgar sua mutação. Além deles, TP53, ATM e PALB2 também são comumente relacionados ao risco aumentado da doença.
Ana Karolina compara o DNA a uma biblioteca com 20 mil livros.“Cerca de 10 a 15 desses livros estão ligados ao câncer hereditário. Quando funcionam normalmente, esses genes atuam no reparo do material genético. Mas quando apresentam mutações, perdem essa função e aumentam as chances de acúmulo de erros que levam ao câncer.”
A médica ressalta que mulheres com histórico familiar relevante devem procurar aconselhamento genético. Em muitos casos, não é necessário realizar o teste imediatamente, mas é possível definir um plano de acompanhamento mais individualizado, o que pode incluir, por exemplo, a antecipação de exames como mamografia ou ressonância magnética, conforme o risco identificado.