- Maximalismo é mais que look bapho: é história, corpo e liberdade. Mulheres negras resgatam ancestralidade e resistem com cor, volume e atitude;
- Não é só moda, é manifesto. Maximalismo celebra o excesso como expressão de identidade. É beleza, é política, é “tô aqui e vou brilhar”;
- De Dona Fulô a Erykah Badu, mulheres negras sempre foram maxi. A diferença é que agora o mundo (e o algoritmo) tem de reconhecer e correr atrás.
Que a moda é um vai e vem de estilos, a gente já sabe. E a tendência da vez é o maximalismo: muito volume nas roupas e cabelos, unhas decoradas à la Alcione (cantora), sobreposição de acessórios, mistura de cores e estampas. As buscas por “maximalismo” tiveram um pico de popularidade em fevereiro, no Google Trends, e continua em alta, o interesse por esse movimento liderado por mulheres negras.
Em meados de junho, a hashtag #maximalism tinha sido usada 630 mil vezes no Instagram – o número cai para 29 mil na versão em português “maximalismo”, segundo o serviço de monitoramento Inflact. Já no Tik Tok, a hashtag #maximalism acumula 3,7 bilhões de views em quase 167 mil vídeos entre abril e junho de 2025, contabiliza o Exolyt.
“Eu sou da turma do mais é mais”, diz a paulista Andressa Eleutério, de 29 anos, consultora de estilo e criadora de conteúdo, que gosta de subverter o lema “menos é mais”. “Eu sempre fui grande, tenho 1,80 m, e desde criança eu sabia que não passava despercebida nos lugares. E comecei a usar isso de forma positiva”. Andressa iniciou pelos óculos, que precisa usar por conta da miopia. “Pensei ‘já que eu vou ter que usar, vou usar os óculos mais legais que conseguir”, recorda.
A soteropolitana Dellamora Luz Kieza, estudante e pesquisadora, de 19 anos, que se identifica como uma “bicha preta não-binária”, diz ser avessa a rótulos, mas se identifica como maximalista. “Eu penso bastante sobre a liberdade de nos expressarmos a partir da forma de vestir, que não fique preso em uma caixa”. Dellamora sabe que atrai olhares, mas cada vez se importa menos.
A liberdade de se expressar com a forma que se veste também é importante para a goiana Laura Braga, de 27 anos, vendedora e criadora de conteúdo. Para ela, o maximalismo não é um ‘boom’, é uma assinatura de estilo, que ela vê como uma forma de se expressar. Ex-modelo, ela recorda que nunca se enquadrou com a necessidade de ser apenas um corpo para anunciar um produto – as roupas que desfilava. “Eu sempre tive unhas extravagantes, usei unha decorada, sempre gostei de muitos acessórios, desde pequena fazia sentido pra mim.”
Mistura de influências, informações e história
“O pessoal inventa cada termo…” diverte-se a doutora em Comunicação e Semiótica Maria do Carmo Paulino. Para ela, o que hoje está sendo chamado de maximalismo é um estilo que mistura muitas influências, informações, explora ao máximo uma tendência, sem necessariamente trazer uma conotação racial.
Já a consultora de estilo Paloma Gervasio Botelho, dona de visuais ousados e idealizadora de projetos afrocentrados de moda, acredita que a tendência maximalista ganha relevância quando a presença das mulheres negras é levada em conta. “Quando a gente olha para as mulheres africanas de nacionalidades diversas, o seu vestir, a quantidade e a combinação das estampas, a padronagem, elas conversam com esse lugar maximalista.”
A opinião de Paloma é compartilhada por Andreza Ferreira, pesquisadora e fundadora da Escola Neit (História da Moda a partir de uma perspectiva afrorreferenciada): “Vão falar que maximalismo é ostentação, apego, excesso, exagero, distúrbio… mas pra mim é a arte de vestir e de aparecer.” Andreza afirma que é muito do negro africano. “A pessoa existe e os adornos compõem aquela existência.”
No topo das referências está a cantora estadunidense Erikah Badu, com seu estilo único, que lhe rendeu em outubro passado o prêmio de ícone da moda do ano pelo Council Fashion of Designers of America (CFDA). “No seu maximalismo, Erikah Badu vai compor com a personalidade de ser essa mulher que canta neo soul, jazz, black music, super suave e com todos aqueles adornos, balangandãs e beleza. É um comungar com a natureza”, diz Andreza Ferreira.
A rapper Lauryn Hill, a consultora de estilo Andreza Ramos, a criadora de conteúdo Magá Moura, a stylist Suyane Ynaya também são nomes lembrados quando se fala em maximalismo negro.
Raízes do maximalismo também estão no Brasil
O maximalismo também tem raízes históricas no Brasil, como mostra um registro de Florinda Anna do Nascimento, conhecida como Dona Fulô. Num retrato datado do século XIX, ela exibe longos e pesados colares, pulseiras e anéis em quase todos os dedos. Sua imagem entrou para a história exemplificando o que seriam as Joias de Crioula e o (suposto) poder que essas mulheres, já livres do domínio escravagista, teriam conquistado na sociedade. Seria Dona Fulô a primeira mulher negra maximalista a inspirar as mulheres de hoje?
Maria do Carmo Paulino é também designer, modelista e pedagoga. Autora de “Moda afro-brasileira é design de resistência da luta negra no Brasil”, ela pede cautela na hora de comparar momentos históricos tão distintos. Conforme lembra a pesquisadora, mesmo livres, aquelas mulheres viveram no contexto da escravização e os bens que elas acumularam eram móveis: tecidos e joias. “A foto expressa que ela tinha um poder, mas que poder era esse?”, questiona.
Não é possível fazer uma transposição direta, mas dá pra encontrar pistas que explicam o protagonismo das mulheres negras na tendência maximalista na história e na cultura.
A pesquisadora Andreza Ferreira lembra que os adornos não servem apenas para enfeitar, em culturas africanas originárias, cujas influências chegaram ao Brasil por meio de sequestro e escravização de pessoas negras. No continente africano, os adornos são rituais. Para pessoas negras, eles não são meras ostentações. “Quem ostenta é o colonizador, mas quando você já é, não precisa parecer. A sua existência já basta e você vai cultuá-la como divino.”
A consultora Andressa Eleutério sente que está seguindo uma linhagem – não apenas da própria família, que gostava de andar bem vestida por prazer e por proteção contra o racismo, mas também da própria ancestralidade. “Tudo vira tendência, mas somos descendentes de reis e rainhas que viviam adornados com turbantes, com acessórios, com colorido!”. Ela conta que a filha, uma criança, já fala em looks e usa muitas pulseiras. “Eu sei da minha história, eu sei de onde eu vim, eu sei que isso não é aleatório.”
A moda tradicional do continente africano tem diferenças quando comparada ao resto do mundo. As tradicionais padronagens variam muito entre os países, mas ficaram quase todas abrigadas sob o rótulo do “étnico”. Maria do Carmo explica que têm também variações marcantes na forma de modelar, que garantem o volume maximalista que vemos hoje nos feeds de redes sociais. “Nas culturas africanas, eles moldam o tecido, eles não cortam, eles dão uma volumetria do tecido ao corpo”. As peças da marca de moda congolesa Lupita Swagga trazem esse volume com inspiração afrofuturista.