Não existe ‘cabelo ruim’, existe gente ruim
Nomear é preciso. Termos como violência obstétrica, feminicídio e assédio moral abriram clarões para que as vítimas encontrassem reconhecimento. Mesmo expressões menos dramáticas, como “mansplaining”, por exemplo —que é quando um cara acha que precisa te explicar como abre torneira—, cumprem sua função de conscientização.
Ao escrever rebaixamento estético feminino na coluna anterior, me dei conta de que era uma expressão que me ajudava a pensar uma das inúmeras formas de constrangimento bem conhecidas das mulheres.
Qualquer mulher, de qualquer classe social, aprende a “se cuidar”, leia-se: preocupar-se obsessivamente com a aparência, desde muito pequena. Nas periferias das cidades faltam asfalto e hospitais, mas nunca uma cabeleireira. Alisar, secar, enrolar, hidratar, tingir, esmaltar, o arsenal feminino para se sentir apresentável é de tirar o fôlego e a grana de qualquer uma.
Não se trata só de se fazer bonita, mas de ter que cumprir alguns códigos rígidos, como jamais ir a um casamento sem ter feito mão, cabelo e maquiagem. Em dia de festa, enquanto o cara toma uma breja com os amigos, elas passam por esse ritual.
É óbvio que, com toda essa tecnologia estética consumista, a maioria das mulheres está sempre muito mais apresentável do que um homem na mesma idade. Usamos produtos e fazemos procedimentos que os marmanjos nem sonham; nos preocupamos com o modelito, enquanto eles se gabam de vestir o que estiver ao alcance da mão.
Vivemos uma negação coletiva da beleza feminina em geral, assim como passamos séculos negando a beleza negra com o intuito de exercer uma das formas de poder mais insidiosas: desprezar o corpo do outro. O filme “Pantera Negra” é um marco por apresentar o óbvio: a beleza negra é um dos segredos mais mal guardados da colonização. Não existe “cabelo ruim”, mas existe gente ruim. E a ruindade aqui responde a uma agenda clara: sintam-se inferiorizadas, idolatrem a estética hegemônica do opressor, se alienem.