(Marcelle Souza e Afonso Benites, da Folha de S.Paulo) Adolescentes terão que provar casamento ou união estável
Internos infratores da Fundação Casa (antiga Febem) já podem receber visitas íntimas em todas as unidades do Estado desde que cumpram exigências da instituição.
A regulamentação das visitas para infratores entrou em vigor ontem. A lei federal que criou o benefício vale desde 18 de abril, mas cada Estado deve definir suas regras.
Segundo a Fundação Casa, só podem usufruir do benefício os internos, homens ou mulheres, maiores de 14 anos que forem casados ou tiverem uma união estável.
A união tem de ser comprovada pela Justiça ou por meio de declaração em cartório.
Na prática, o interno tem que ser autorizado pela Justiça para ir ao cartório, pois a declaração só é feita com a presença do casal e dos pais ou responsáveis.
“A lei [federal] fala casamento ou união estável comprovada e nós entendemos que essa união deve ser provada nos termos da lei”, afirma a presidente da Fundação Casa, Berenice Giannella.
As visitas poderão ocorrer duas vezes por mês pelo período máximo de duas horas.
CRÍTICAS
Para o desembargador da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça paulista, Antonio Carlos Malheiros, as exigências inviabilizam o benefício. “As exigências deveriam ser entrevistas e palestras com educadores, assistentes sociais e psicólogos, falando das cautelas.”
Ele defende a medida inclusive para namorados. “Eu não entendo que isso seja correto ou incorreto. Mas já que o adolescente tem esse relacionamento lá fora, por que não ter lá dentro?”, indaga.
O coordenador da Infância e da Juventude da Defensoria Pública, Diego Vale de Medeiros, diz que as exigências podem ser questionadas, já que a lei federal fala em comprovação, mas não como ela deve ser feita. “Que adolescente tem contrato de união estável? É uma parte irrisória.”
O vice-presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB, Ariel Alves, concorda. “Poderia ser mais fácil”, diz.
A Fundação Casa disse que as unidades ainda vão se adaptar para ter visitas. Os pedidos serão avaliados pelos diretores. Até ontem, não havia nenhuma solicitação.
Nas prisões, detentos podem receber visita íntima comprovando casamento ou união estável. “Mas é difícil fiscalizar”, diz o presidente do sindicato dos agentes penitenciários, Daniel Grandolfo.
Análise: Lei reacende polêmica sobre sexo e adolescentes, por Vaguinaldo Marinheiro
Com que idade um jovem/adolescente passa a ter direito de exercer sua liberdade sexual? Ela vale para alguém que perdeu a liberdade física após cometer infrações, como os internos da Fundação Casa (antiga Febem)?
A lei federal 12.594, que foi assinada em janeiro e acaba de ser regulamentada no Estado de São Paulo, reacende essa velha discussão.
Ela garante ao interno(a) que comprovar casamento ou união estável antes da apreensão duas visitas íntimas por mês.
Há um amontado de restrições, mas até aqueles com 14 anos podem ter o direito.
Os defensores da medida afirmam que ela irá reduzir a violência sexual entre os internos e que o contato com o parceiro(a) mantém os laços com o mundo exterior e facilita na ressocialização.
Eles se amparam em números. Uma pesquisa feita em presídios masculinos de 50 Estados americanos mostrou que o total de casos de violência sexual é 75% menor onde há visitas íntimas.
Já os detratores criticam “esse novo direito dado aos infratores”. Afirmam que se os jovens são vistos como adultos para as questões sexuais também devem sê-lo para as criminais.
Pedem, assim, a redução da maioridade penal.
É uma hipocrisia negar a sexualidade dos adolescentes. Uma pesquisa feita pelo Datafolha no final de 2009 mostrou que os homens iniciam sua vida sexual em média aos 15,6 anos. As mulheres, aos 17,8.
Dos entrevistados, 41% disseram ter tido relações sexuais entre os 14 e os 16 anos.
Mas seria a liberação da visita íntima uma forma de reduzir essa hipocrisia?
Se a intenção é garantir a liberdade sexual e impedir estupros e afins, por que restringir o direito aos casados?
Se a questão é fisiológica, deveria valer para todos.
Além disso, a nova lei criou uma disparidade com outra mais antiga. O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, proíbe que menores de 18 anos frequentem motéis ou comprem “revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado”.
Como esbravejam os críticos da nova lei: “no motel da Febem pode”.
Acesse em pdf:
São Paulo define regras para jovem infrator ter visita íntima (Folha de S.Paulo – 09/05/2012)
Análise: Lei reacende polêmica sobre sexo e adolescentes, por Vaguinaldo Marinheiro (Folha de S.Paulo – 09/05/2012)
Leia também:
‘Poucos jovens terão visita íntima, e ela pode ajudá-los a criar laços, facilitando a recuperação. Filhos também poderão visitar os internos’ – A nova lei federal para internos adolescentes, por Berenice Gianella (Folha de S.Paulo – 11/05/2012)