Solução ao aborto para muitos, entrega à adoção tem entraves e gera julgamentos à mulher

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Foto: Mídia Ninja

21 de agosto, 2025 Agência Pública Por Amanda Audi

Estudo demonstra que profissionais da saúde ignoram lei sobre o tema e tentam evitar doação por motivos religiosos

“Não aborte, entregue o bebê para adoção.” O slogan é frequentemente usado por militantes contrários ao aborto para defender que gestantes, inclusive vítimas de estupro, levem a gravidez até o fim. Mas um estudo pioneiro, feito a partir da percepção de profissionais de saúde – muitas vezes responsáveis por intermediar a entrega do bebê – revela que mesmo este caminho é marcado por violências contra as mulheres.

O resultado da pesquisa mostra que a maioria dos profissionais desconhece que hoje, no Brasil, a entrega voluntária de recém-nascidos é regulada pela Lei 13.509/2017, a chamada “Lei da Adoção”. Além disso, as entrevistas apontam que esses mesmos profissionais se deixam influenciar por crenças pessoais, julgando a decisão da mãe.

A assistente social Renata Rigatto atuava em uma unidade de saúde de Glória de Dourados, no Mato Grosso do Sul, quando atuou em um caso que a marcaria para sempre: uma gestante queria entregar o bebê para adoção logo após o nascimento, mas foi alvo de comentários maldosos. “Nos corredores, os funcionários falavam: ‘Que tipo de mãe é capaz de abandonar um filho?’”, ela se recorda.

A gestante seguiu firme com o desejo até o fim. Depois do parto, ela optou por não conhecer a criança, que foi encaminhada para o serviço especializado. Foi a primeira vez que Rigatto teve contato com a aplicação da “Lei da Adoção”, que prevê o direito de mães entregarem o bebê para adoção se assim desejarem.

Para isso, a gestante deve expressar sua vontade em uma unidade do Poder Judiciário ou então para um profissional de saúde, que é obrigado a tomar as providências – sob o risco de receber uma punição em caso de descumprimento.

Apesar de a lei ter sido sancionada pelo ex-presidente Michel Temer há oito anos, ela ainda é pouco conhecida e aplicada. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 2,3 mil crianças foram entregues voluntariamente para adoção de 2023 até agosto de 2025. O número é menos da metade do total de crianças que entraram para adoção no mesmo período.

O episódio vivido por Rigatto a motivou a analisar o assunto a fundo no mestrado em Saúde da Família do Instituto Integrado de Saúde da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). O estudo foi feito entre novembro de 2023 e janeiro de 2024 com trabalhadores da área da saúde.

“Os profissionais de saúde costumam responsabilizar a mãe pela decisão e tentam persuadir para que ela continue com o filho, geralmente dando argumentos religiosos”, afirma Priscila Marcheti, professora da UFMS que orientou Rigatto no mestrado.

A dissertação se baseou em uma oficina dirigida a profissionais da saúde para apresentar a Lei da Adoção e diminuir o julgamento dirigido às mulheres que fazem a entrega voluntária. O objetivo de Rigatto agora é ampliar a capacitação sobre o tema no Mato Grosso do Sul.

Acesse a entrevista no site de origem.

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