Tributação, gênero e raça: por que o sistema não é neutro?, por Carolina Gonçalves e Tathiane Piscitelli

Mulheres negras de punhos levantados – Crédito – Ian de Farias – Mídia NINJA

Foto: Ian de Farias/ Mídia Ninja

23 de setembro, 2025 Folha de S. Paulo Por Carolina Gonçalves e Tathiane Piscitelli

  • Receita perpetua a lógica de um modelo cego para as desigualdades, mas funcional à sua reprodução
  • Países que introduzem análise de impacto distributivo com recorte de gênero e raça conseguem calibrar melhor mecanismos de arrecadação e gasto

A crença na neutralidade do direito tributário é uma ficção conveniente. Como já destacou a literatura crítica, o desenho do sistema tributário não se dá no vazio, mas em um espaço social profundamente marcado por desigualdades de gênero e raça. Esse reconhecimento é central para que o sistema tributário se torne instrumento de promoção da igualdade, não de sua negação.

A emenda constitucional 132/2023 representou um marco ao introduzir, pela primeira vez, a exigência de avaliação de gênero em benefícios tributários e a possibilidade de redução de tributos para produtos de saúde menstrual. Como narra a pesquisadora Luiza Machado Menezes, a conquista foi fruto da atuação coletiva de pesquisadoras e movimentos sociais, que mostraram como a regressividade tributária pesa de forma desproporcional sobre mulheres, especialmente as negras: enquanto os 10% mais pobres arcam com carga tributária total de 26,4%, esse grupo é composto em 42% por mulheres negras, ao passo que os 10% mais ricos concentram 42% de homens brancos.

Os números não deixam dúvidas: a regressividade não aprofunda apenas a distância entre ricos e pobres, mas também entre homens e mulheres, brancos e negros. Nesse sentido, ignorar as dimensões de gênero e raça na tributação significa perpetuar a invisibilidade das desigualdades. Isso posto, o Orçamento e os tributos devem ser compreendidos como escolhas políticas que determinam quem paga mais e quem recebe menos do Estado.

Esse diagnóstico foi detalhado pela Oxfam Brasil em seu estudo Arqueologia da Regressividade Tributária no Brasil (2023), que demonstra como a estrutura fiscal brasileira sustenta privilégios de uma elite econômica predominantemente branca, ao mesmo tempo em que penaliza, de forma regressiva, famílias negras e chefiadas por mulheres.

O relatório tornou-se referência para o debate legislativo e subsidiou iniciativas como os projetos de lei apresentados pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ) neste ano —entre eles, a proposta de inclusão do campo de autodeclaração racial na declaração do IR (PL 3.375/2025) e a criação de um “imposto antirracista” (PL 3.407/2025), ambos elaborados a partir de evidências levantadas pela organização.

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