(Letícia González, Blog da Marie Claire) A deputada Manuela D’Ávila, 30 anos, tinha 22 quando foi eleita vereadora pela primeira vez. Hoje no segundo mandato como deputada federal, ela é pré-candidata a prefeita de Porto Alegre e, caso siga à frente nas pesquisas, será a primeira mulher a assumir o cargo na capital gaúcha – além de a mais jovem. Conversamos com Manuela sobre sua história, política e machismo.
Marie Claire – Em entrevista à Marie Claire, a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet disse que as roupas de uma política chamam mais a atenção do que o que ela fala. Concorda?
Manuela D’Ávila –Totalmente. Nos ambientes de destaque a mulher é muito valorada pelo que ela é fisicamente. Eu me elegi deputada federal com 25 anos e era a única parlamentar jovem a não ter o sobrenome de uma família tradicional na política brasileira. Mas, ao invés desse fato chamar atenção, [fui chamada de] “musa do Congresso”.
MC – O apelido de “musa do Congresso” a incomodou?
MA –O que as pessoas não sabem é que até os meus 17 anos eu fui gorda. Pesei 100 kg. Então aprendi desde cedo que o que está por fora não vale nada e ninguém vai me convencer que eu consigo alguma coisa porque sou bonita ou deixo de conseguir porque sou feia. O “musa do Congresso” era dito de maneira totalmente pejorativa e me incomodou, sim. Tanto quanto me chateava ser chamada de elefoa na escola.
MC – Como emagreceu?
MA – Copiei a dieta de reeducação alimentar da minha irmã e segui. É muito difícil comer menos, mas é a única maneira de fazer isso. Acho um absurdo mulheres saudáveis que precisam perder 40 kg, como eu precisava, optarem por cirurgia bariátrica. É muita irresponsabilidade.
MC – Já deixou a vaidade de lado para se provar séria?
MA – Com 22 anos a gente pensa em morrer pela causa. Depois entende que precisa estar vivo para a causa ser realizada.
MC – O que possibilidade de ser a primeira mulher a assumir a prefeitura de Porto Alegre significa para você?
MA – Na sociedade, as mulheres são empresárias, ocupam cargos de chefia, chegaram a todos os postos. Mas na política ainda não. Sou deputada num congresso que tem 513 deputados e só 42 são mulheres. É um ambiente muito machista e fechado. Na semana passada, um jornalista conhecido disse na rádio que eu deveria ter “algum outro atributo” além da minha capacidade política para seduzir os parlamentares do jeito que eu seduzia. Sabe quantas vezes tive de respirar para não ligar para esse senhor e perguntar exatamente o que ele estava sugerindo? Eu ainda me surpreendo.
MC – O desafio de assumir a prefeitura assusta?
MA – Não. Gosto muito da frase [da escritora Clarice Lispector]: “tenho medos bobos e coragens absurdas”. Eu deixo o meu medo para barata.
MC – Qual é o maior problema feminino hoje? Como uma mulher no poder pode enfrentá-lo?
MA – A violência é o maior deles, em Porto Alegre ou no Afeganistão. No poder, as mulheres têm o sonho do projeto e a sintonia com a vida real.
MC – Qual foi a maior dificuldade de ser eleita tão jovem?
MA – Ficar longe das minhas pessoas quando fui para Brasília. Percebi que não ia ter ninguém para conversar quando chegasse em casa, se ficasse doente ou se quisesse dividir minhas angústias. Telefone não é vida real.
MC – Como sua família reagiu quando você concorreu pela primeira vez?
MA – A minha mãe torcia para que eu fizesse uns 130 votos, o número de amigos que ela calculava que eu tinha. Na primeira campanha, a única faixa com o meu nome foi presente da minha mãe. Me elegi vereadora com 9,5 mil votos.
MC – Sonhava em ser política quando era pequena?
MA – Não, sonhava em veterinária. Depois, queria ser professora.
MC – E em casar e ter filhos?
MA – Sempre sonhei em ter filhos, mas nunca em casar na igreja. Mas vou casar na igreja! Meu namorado (o chefe de gabinete da secretaria de turismo do Rio Grande do Sul e professor de ioga Rodrigo Maroni) me convenceu. Se eu não fosse candidata, nos casaríamos ainda em 2012. Mas agora vai depender do resultado da eleição. Se eu for eleita, adiaremos novamente.
MC – Qual é o seu momento mais mulherzinha?
MA – Me maquiar 100% no carro. Faço isso todos os dias.
MC – Você é filiada ao PCdoB desde o início da sua carreira. Acha que o comunismo funciona?
MA – Acredito no que eu entendo por comunismo, que é a crença de que a sociedade pode ser justa. Se me perguntares se ele já funcionou alguma vez, não preciso nem responder. É não.
MC – Desde 2011, você é vice-líder do governo no Congresso e tem uma postura de apoio amplo. Falta autocrítica?
MA – Consigo diferenciar muito o projeto que eu defendo de pessoas que erram. A presidente Dilma tem um norte, ela segue um projeto, e as pessoas não são maiores do que ele. Os episódios de corrupção têm de ser radicalmente apurados, mas não devem parar o país. Eu tenho críticas, sim. Faço uma crítica permanente há mais de dois anos à ministra da cultura (Ana de Hollanda). Ela tem uma visão de cultura de um tempo que já passou, é elitista.
MC – Como vê a legalização do aborto?
MA – Primeiro de tudo, acho uma grande infelicidade que no Brasil isso seja tratado como um assunto das mulheres. Porque não é. É tema de saúde pública. Tivemos um grande avanço há quinze dias quando foi reconhecido o direito de vida das mulheres (em 12 de abril, o STF decidiu que não é mais crime o aborto de fetos anencéfalos no Brasil). Eu tenho a posição de todas as mulheres do Brasil: ninguém quer fazer um aborto. Mas se ele tem que ser feito, como no caso dos anencéfalos, que ele seja feito com dignidade.
MC – E no caso de ser uma vontade da mulher?
MA – Acho que o Brasil tem que discutir isso. Defendo que as pessoas têm o direito de viver com dignidade e fazer as suas escolhas, mas acho que o Brasil precisa ainda debater muito isso.
Acesse em pdf: ‘Já pesei 100 kg. É claro que o ‘musa do Congresso’ me ofende’ (Marie Claire – 14/05/2012)
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