(Hoje em Dia-MG) Estudo da USP/Unicamp aponta despreparo de policiais da delegacia de mulheres de BH para atender vítimas de violência. Vítimas reclamam que não conseguem fazer ocorrência na delegacia se não tiverem marca de agressão
Em 1996, M.C. tinha apenas 11 anos e sentia no corpo os efeitos da transição da infância para a adolescência, quando foi abordada na portaria do prédio onde morava, no bairro Nova Floresta, região Leste de Belo Horizonte, por um desconhecido. “Ele tinha planejado tudo. Travou o elevador e cobriu o vão da escada com um tapete, onde me jogou, após me ameaçar com uma arma de fogo. Me obrigou a tirar a roupa e passou as mãos em mim. Só não fui estuprada porque crianças desceram a escada, com uma bola, fazendo barulho. O homem se assustou e foi embora”.
Quinze anos depois, ela pôde finalmente lutar por justiça. No mês passado, procurou a Delegacia de Mulheres para denunciar ter sido mais uma vítima de um acusado de estupros em série, preso dias antes. No entanto, saiu de lá mais revoltada. “Custei a tomar coragem de denunciar. Era sábado e a delegacia estava lotada. O policial me recebeu de forma grosseira e descobri que ele se identificou com nome falso. Não havia sala reservada e tive de contar minha história na frente de todos. Ele chegou a me ridicularizar e fui embora sem ser atendida”, conta.
Constrangimentos como o passado por M.C. foram analisados pela equipe da socióloga Wânia Pasinato, pesquisadora dos núcleos de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e de Estudos de Gêneros da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foram levantados 75 nomes de vítimas que passaram pela Delegacia de Mulheres de BH, de 2008 a 2010. “Falamos com 15. Em todos os casos, ou elas não receberam o tratamento adequado, ou presenciaram alguma mulher passar por isso”, diz a socióloga.
Segundo Wânia Pasinato, houve situações em que os policiais orientaram as mulheres a voltar para casa para refletir se realmente queriam prestar queixa. “Estavam sendo priorizadas as vítimas com marcas no corpo. Quem sofria ameaças, por exemplo, não conseguia atendimento”, afirma a pesquisadora.
A pesquisa deu origem ao livro “Acesso à justiça e violência contra a mulher em Belo Horizonte”, que Wânia Pasinato lançará na Savassi, na Zona Sul da capital, no dia 17. Para ela, as falhas podem ter contribuído para a redução dos números de atendimentos e prisões registrados pela unidade especializada. Em 2011, 8.763 vítimas foram atendidas em BH, 7,4% a menos que no ano anterior (9.427). A queda nas prisões na capital foi de 55,7% (de 719 para 318). “Seria preciso analisar caso a caso. Mas pode ser um reflexo do desestímulo provocado pelo atendimento inadequado”.
A desembargadora Heloísa Helena de Ruiz Combat, superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), destaca que o papel da polícia é registrar todas as queixas e critica a postura do agente, denunciada por M.C. e pela socióloga Wânia Pasinato. “Quem avalia se cabe punição é a Justiça, seja uma simples ameaça ou uma tentativa de homicídio”, diz.
A delegada Margaret Freitas, chefe da divisão da qual faz parte a Delegacia de Mulheres de BH, afirma que, diferentemente do que foi constatado por M.C., a unidade se preocupa com o acolhimento das vítimas. “Desde janeiro, esse trabalho é feito por uma equipe multidisciplinar, que conta com psicólogos e assistentes sociais. Por enquanto, não temos condições de fazê-lo após as 18h30 e nos fins de semana. Mas há treinamentos específicos para os policiais dos plantões”, justifica.
Acesse em pdf: Despreparo da polícia inibe mulher vítima de violência (Hoje em Dia-MG – 14/05/2012)