(Ana Maria Costa, do Cebes, para o Viomundo) Nas duas últimas décadas, houve redução das mortes de mulheres relacionadas a gravidez, parto e puerpério, ou seja, a mortalidade materna. A taxa atual é de 68 mortes a cada 100 mil nascidos vivos e o Brasil definiu que iria reduzir para 34 como um dos Desafios do Milênio. A taxa caiu pela expansão do cuidado pré-natal e ao parto proporcionada pelo SUS. Estas mortes, na sua grande maioria, são evitáveis. Hoje, com o acesso melhor, há dois grandes problemas a serem confrontados: a baixa qualidade dos serviços de saúde incluindo os do setor privado e a condição clandestina do abortamento que expõe ao risco a vida das mulheres.
Para reduzir a mortalidade materna é preciso consolidar o SUS constitucional, universal e de qualidade. É necessário resolver a crônica pendência do financiamento da saúde e qualificar a gestão do SUS, reduzir a mercantilização, a medicalização e o intervencionismo, estabelecer um sistema eficiente de vigilância aos óbitos, identificar e punir responsabilidades, e romper o silêncio que sempre envolveu as mortes destas mulheres. É preciso que as mulheres tenham acesso ao aborto seguro.
O sentido da integralidade preconizado para a saúde das mulheres deve garantir atenção qualificada em todas as fases, ciclos e situações de vida, já que há evidências de sobra de que estas condições prévias à gravidez interferem no curso da gestação e no seu desfecho. O Brasil foi exemplar quando criou o PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher) em 1983, política que foi aperfeiçoada no governo Lula.
O eixo desta política é o princípio da integralidade que reafirma que a mulher é indivisível, que as relações de gênero interferem na situação de saúde, que são cidadãs de direitos e que os serviços de saúde devem promover sua autonomia e direitos sexuais e reprodutivos.
O Ministério da Saúde não pode adiar o real enfrentamento dos determinantes destas mortes. Os estudos realizados nos últimos anos mostram que a morte materna, que hoje temos que combater, ocorre dentro dos hospitais e está relacionada à baixa qualidade do cuidado, à medicalização, ao abuso de cesarianas, ao descompromisso dos profissionais e dos serviços no cumprimento dos protocolos básicos nos casos de risco, como na eclâmpsia.
As mulheres morrem também por maus tratos, discriminação, racismo e outras formas de violência institucional nos serviços de saúde. No setor privado, onde a morte materna é problema grave, a mercantilização está aliada à baixa qualidade dos serviços.
Por tudo isso é que esta MP não terá impacto real sobre a morte das mulheres e, nesse contexto, é preciso esclarecer as intenções do Ministério da Saúde na criação do Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna e na concessão de benefício financeiro para garantir transporte das gestantes até a maternidade.
Mas por que a insistência em registrar as mulheres grávidas? As informações que o SUS dispõe são suficientes para conhecer o problema da morte materna e definir estratégias nacionais e locais. Não há necessidade nem indicação de criar mais um sistema de informação, especialmente nos moldes adotados nesse Cadastro, impregnado do risco de expor as mulheres e suas vidas reprodutivas aos olhares públicos, em uma sociedade polarizada quanto à moralidade sobre os direitos sexuais e reprodutivos.
É preciso denunciar que, mesmo depois de revista, a MP 557 manteve o registro de todas as gravidezes, nos mesmos moldes do PL do deputado Walter Brito que propõe o registro obrigatório das grávidas para “produzir evidências” sobre o aborto.
É preciso indagar sobre a necessidade de uma Medida Provisória para orientar essa política. Seria admissível a explicação de sua necessidade pela concessão da bolsa transporte? Outra pergunta é por que o Ministério da Saúde, ao optar pelo mecanismo de Medida Provisória, abdica de seu papel histórico institucional de formulador de políticas de forma participativa e pactuada?
A MP 557 também vem sendo criticada por ter sido criada na esfera governamental sem a participação social, cartão de visita do SUS. Ao que parece, os setores corporativos religiosos atuaram para garantir a MP e impedir a ampliação do debate.
Felizmente, a sociedade está reagindo com manifestações oriundas de diversos setores, entidades cientificas, ativistas feministas, centrais sindicais e mesmo na forte posição contrária à MP no Conselho Nacional de Saúde. O que esta grande mobilização está nos ensinando é que não se constrói política de saúde sem considerar o caminho percorrido, sem analisar profundamente a natureza complexa dos problemas atinentes à situação de saúde e sem atender aos interesses democráticos e coletivos.
A taxa atual de mortalidade materna constrange o Brasil e é incompatível com os indicadores sociais e econômicos. Mas precisa ser enfrentada de verdade, rompendo corporativismos e não se submetendo a pressão de grupos morais ou religiosos.
E a sociedade desta forma conclama: Senhoras e Senhores Parlamentares do nosso Congresso Nacional, vamos derrubar essa MP 557 e orientar o governo para que ele reconduza à condição de prioridade a Políitica da Saúde Integral para as Mulheres.
Ana Maria Costa é médica, feminista e presidenta do Centro de Estudos Brasileiros em Saúde (Cebes).
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Acesse em pdf: A MP 557 não terá impacto real na redução da mortalidade materna (Viomundo – 20/05/2012)