(Correio Braziliense) Uma menina de 13 anos sofreu violência sexual por um grupo de “colegas” em uma escola em Brasília, demorou alguns dias para contar aos pais e teve muito medo de denunciar o fato às autoridades escolares. A razão poderia ser falta de confiança e sentimento de culpa, já que, nesses casos, muitas vezes a vítima é colocada sob suspeita. Os abusos ocorreram por três dias consecutivos, no horário do recreio, em uma sala vazia. Enquanto alguns alunos vigiavam a porta, a menina foi obrigada a fazer sexo oral em outros alunos.
Nos perguntamos: o que leva um grupo de adolescentes e jovens a cometer tal selvageria? O ser homem, ser viril, demonstrar masculinidade e força faz com que se tenha que evidenciar um tipo de poder que chega à violência sexual? Adotar comportamentos agressivos ou de risco corrobora para essa imagem de força, comumente associada ao léxico da valentia, aventura e ousadia? Nos questionamos, ainda, como e por qual razão os outros colegas não denunciaram, e constatamos que as escolas não conseguem estabelecer um clima de confiança que permita conversar sobre temas considerados tabus no seu espaço.
Mas o que mais chama a atenção é que a agressividade do ato mostra que a violência sexual é muitas vezes banalizada nas escolas, sendo considerada como um signo de ser adolescente e jovem. Em 2009, realizamos ampla “Pesquisa sobre violências nas escolas em Brasília: Revelando tramas, descobrindo segredos”, em que a violência sexual aparece tanto nos dados quantitativos (8,3% dos alunos dizem que em suas escolas já presenciaram “forçarem relação sexual”, o que significa uma porcentagem assustadora) quanto nos qualitativos. Escutamos também depoimentos de alunos e professores sobre os mais variados tipos de violência sexual nas escolas, o que indica que essa não é a única unidade educacional ou cidade em que já aconteceu tal agressão.
A pesquisa conclui que os fatos silenciados demonstram a necessidade de maior atenção às formas de trabalhar as violências nas escolas em geral e especificamente os casos de exploração sexual, para que a vítima possa ter confiança suficiente e nunca mais deixe que passem três dias sem nada dizer, como foi o caso da adolescente em Ceilândia. Consolidar um vínculo de confiança entre estudantes e educadores, poder escutar os adolescentes e jovens, indica ser um primeiro passo. A escola é entendida como lugar de transmissão do patrimônio cultural e científico da humanidade, local de aprendizagem, socialização e de humanização, não de violências.
É importante também analisar como as diversas violências estão profundamente relacionadas com a questão dos direitos humanos básicos e torna-se fundamental, nesse aspecto, que docentes e demais integrantes do corpo técnico-pedagógico procurem melhor compreender as configurações atuais de sexualidade e gênero, buscando adotar medidas primordialmente educativas. A escola pode e deve comprometer-se com a desconstrução de um imaginário social que associa diversas violências às noções de virilidade e masculinidade. Torna-se fundamental reconhecer as intricadas relações entre as disposições de gênero e as mais diversas manifestações de violência, já que o sistema educacional vem sendo acometido por diversas modalidades, deteriorando o clima, as relações sociais e impedindo que a escola cumpra sua função.
Considera-se também fundamental que a escola se aproxime mais da família e entenda seus limites e potencialidades para que ambas as agências possam colaborar, incrementando a presença, o poder e a participação dos pais na vida da escola, como nesse caso sobre violência sexual.
A escola deveria, portanto, ser o lugar da construção do saber e não da reprodução de violências. Um local que permita a manifestação dos alunos em suas dimensões política, social, afetiva, educacional, enfim, em seu sentido pleno, tendo em vista o desenvolvimento de uma moral baseada no senso de justiça social, no respeito aos direitos humanos e na cooperação entre os pares.
MIRIAM ABRAMOVAY
Coordenadora da área de juventude e políticas públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
MARY GARCIA CASTRO
Pesquisadora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e professora da Universidade Católica da Bahia
Acesse em pdf: A lei do silêncio e a violência sexual, por Miriam Abramovay e Mary Garcia Castro (Correio Braziliense – 10/06/2012)