(Folha de S. Paulo) Há agora um bom programa federal, promessa de verba e mamógrafos. Mas é preciso ter cuidado para que tudo não se perca nas boas intenções
O câncer de mama é a neoplasia mais frequente entre as mulheres brasileiras, seguido pelas neoplasias de colo de útero e pulmão.
Segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer), em 2012 ocorrerão no Brasil quase 53 mil novos casos de câncer de mama e cerca de 13 mil óbitos por esse tumor.
A mortalidade é relativamente alta para os casos mais avançados, que requerem tratamentos complexos e onerosos, além de causar sofrimento físico e emocional às pacientes. Em contrapartida, casos diagnosticados precocemente, com menos de 2 cm de diâmetro, podem ser tratados com cirurgia conservadora -ou seja, com preservação da mama, associada eventualmente a outros tratamentos complementares, permitindo índices de cura em mais de 90% dos casos.
Apesar de alta frequência do tumor, não existe ainda no país uma ampla estrutura que permita às mulheres atendidas pelo SUS, a grande maioria das brasileiras, a garantia de um atendimento digno, focado não apenas no tratamento, mas em prevenção e diagnóstico precoce.
Por esse motivo, vejo com entusiasmo o lançamento, pela presidente Dilma e pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, do Programa de Fortalecimento da Rede de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer de Colo do Útero e de Mama, para o qual se prevê alocar R$ 4,5 bilhões até o final do atual governo.
Importante sinalização foi dada ao convidar sociedades médicas envolvidas com o tema e a sociedade civil para participar ativamente das discussões e decisões.
Ao participar há algumas semanas da segunda reunião do grupo que planeja esse programa, saí convencida que este não deverá ser mais um belo programa de gaveta.
As discussões avançam sob a égide da gestão madura, com avaliação dos recursos humanos e tecnológicos disponíveis e da sua distribuição pelo país e com metas de atendimento populacional calcadas em conhecimentos científicos.
O sucesso do programa passa por garantir a todas as mulheres com mais de 40 anos o acesso à avaliação clínica e à mamografia.
Existem hoje mais mamógrafos na rede do que o realmente necessário, mas cerca de um terço deles está avariado -e eles estão distribuídos pelo Brasil de maneira inapropriada.
Por outro lado, especial atenção tem que ser dada às mulheres que, por fatores genéticos ou ambientais, têm risco mais acentuado de desenvolver o câncer de mama.
Complementarmente, sabe-se que o controle de qualidade de feitura e leitura dos exames é primordial, algo que esse grupo de trabalho está enfatizando. Finalmente, não basta diagnosticar, mesmo que precocemente. É primordial garantir à paciente com essa doença o acesso ao tratamento, dentro dos preceitos terapêuticos mais atuais.
Para que tudo isso seja realidade em futuro próximo, é fundamental vontade política, já demonstrada com a criação do programa e a alocação de consistente verba. Contudo, só existirão avanços com uma gestão moderna, com metas e indicadores bem definidos, constantemente auditada e avaliada, sob pena de se perder nas boas intenções.
Sinto-me gratificada por poder estar participando desse programa desde seu início, impregnada que fui pela visão pública de meu pai, o professor José Aristodemo Pinotti, que apregoava um Programa Nacional de Controle do Câncer Feminino para, em tempo relativamente curto, diminuir de maneira substancial a mortalidade das mulheres brasileiras por câncer.
Marianne Pinotti, Ginecologista e diretora do Programa de sustentabilidade em Câncer de Mama do Hospital Oswaldo Cruz
Leia em pdf: Combate ao câncer de mama no Brasil, por Marianne Pinotti (Folha de S. Paulo – 03/07/2012)