(Folha de S.Paulo) O Vaticano já reclamou da agenda política delas e as acusou de “feminismo radical”. As freiras da associação Network – Lobby Nacional Católico para Justiça Social, com sede em Washington, não parecem muito dispostas a abandonar o ativismo que as transformou nas queridinhas da esquerda americana.
Sua maior bandeira é atacar a proposta orçamentária do deputado republicano (e católico praticante) Paul Ryan, que sugere vários cortes na verba federal para educação, saúde e habitação.
No início do mês, elas concluíram uma caravana de 15 dias num ônibus que percorreu 3.800 km por nove Estados dos EUA (equivalentes a ir de São Paulo a Santiago do Chile). Fizeram 31 paradas e protestos diante das casas de deputados republicanos ou em entidades de sem-teto.
“Até a alimentação de quem nada tem está ameaçada. Infelizmente, muitos que se dizem religiosos neste país culpam os pobres por sua pobreza, ainda que sejam ricos por um sistema que os beneficia”, disse à Folha a diretora-executiva da Network, irmã Simone Campbell.
“Do sistema tributário ao orçamento, as vantagens são justamente para quem diz que conseguiu tudo sozinho.”
Agora, as freiras preparam vigílias em Washington nos meses que antecedem o pleito presidencial de novembro.
“Obama é tão melhor que Bush! Ele aprovou a universalização da saúde. Muita gente não entende como o país mais rico do mundo não tinha isso. Mas a oposição republicana não deixa aprovar muitos projetos”, reclama.
Agora que o movimento “Ocupe Wall Street” de Nova York se resume a alguns poucos sem-teto e anarcopunks, as freiras são festejadas pela esquerda. A irmã Campbell foi entrevistada na CNN, na MSNBC e até no programa do comediante Stephen Colbert.
Sempre vestida com blazers, brincos e camisas coloridas, frequentemente com a gola para fora, a freira foi provocada pelo humorista, que encarna um conservador radical em seu programa.
“Por que a senhora não usa hábito, algo mais formal?” Rindo, ela respondeu que estava “retornando às raízes”. “Ao longo da história, freiras usavam roupas do dia a dia.”
O Vaticano já pediu para o equivalente da CNBB americana monitorar o ativismo das freiras. Campbell desconversa. “Está nos Evangelhos a defesa dos mais pobres. No atual papado, há documentos muito interessantes a favor de comércio mais justo e regulamentação financeira.”
Ela alega que a Network luta há 40 anos por justiça social e econômica. “Mas parece que tem gente no Vaticano que não entende e quer que só fiquemos atacando o casamento gay ou o aborto. Trabalhamos para os pobres, é nossa missão, e muitos no Vaticano estão do nosso lado.”
Segundo o instituto Pew, os católicos nos EUA não diferem muito da média americana -pouco mais da metade apoia o casamento gay. Mas, até hoje, os três candidatos católicos a disputar eleição por um partido dominante (Al Smith, John Kennedy e John Kerry) eram democratas.
Nas últimas eleições, Al Gore (2000), George W. Bush (2004) e Barack Obama (2008) obtiveram a maioria dos votos dos católicos.
Leia em pdf: Noviças rebeldes (Folha de S.Paulo – 17/07/2012)
Voto de pobreza nos EUA é ser ‘radical’, diz Simone Campbell
DE NOVA YORK
Para Simone Campbell, “manter votos de castidade e de pobreza” em uma sociedade como a dos EUA já é “bastante radical”. Leia trechos da conversa da freira com a Folha, em que ela cita o “catolicismo progressista” no Brasil.
MULHERES FORTES
Somos mulheres fortes, isso é feminismo? Sei que mulheres fortes deixam muita gente nervosa. Mas ser “acusada” de ser radical me faz rir. Vivo sob votos de castidade, de pobreza, de viver em comunhão. Neste país, já é suficientemente radical. E é nossa fortaleza. Jesus Cristo também era acusado de ser radical. Estamos em boa companhia.
VALORES ADORMECIDOS
Ainda estamos sob o efeito da surpresa por todo esse interesse da mídia e avaliando os próximos passos. Acho que tocamos algo profundo, valores que estavam adormecidos -temos que pensar estrategicamente para não perder esse “momentum”. Mesmo não católicos foram tocados. Acho que somos autênticas, e as pessoas querem líderes em quem possam confiar.
IGREJA NO BRASIL
Sempre acompanhei os passos dos nossos irmãos progressistas no Brasil, da luta pela terra, pelos mais pobres e de nossa irmã Dorothy Stang na Amazônia. Minha espiritualidade foi enriquecida lendo textos traduzidos do português da Teologia da Libertação.
No Primeiro Mundo, estávamos acostumados à dominação; hoje somos desafiados pela insegurança. O catolicismo no Terceiro Mundo já sabia o que era libertação porque vivia nessa insegurança.
Leia em pdf: Voto de pobreza nos EUA é ser ‘radical’, diz líder (Folha de S.Paulo – 17/07/2012)