(O Globo) Com índices históricos de violência contra a mulher, o pequeno El Salvador contribui de maneira incisiva para o aumento de cifras e de episódios trágicos envolvendo abusos sexuais e mortes na América Latina. O presidente Maurício Funes expôs recentemente a realidade assustadora do país. No ano passado, a cada hora, duas mulheres denunciaram ser vítimas de agressão, apenas na capital, San Salvador. Em 2011, foram registradas 626 mortes violentas de mulheres, sem contar, claro, agressões sexuais, estupros e outros tipos de violência.
Para enfrentar esse cenário chocante, o governo desenvolve, através da Secretaria de Inclusão Social, uma cruzada inédita em matéria de política de gênero. Entre várias iniciativas, a mais destacada e inovadora é Ciudad Mujer (Cidade Mulher). Trata-se de um centro integral e integrado de serviços especializados para as mulheres. Os atendimentos vão de saúde sexual e reprodutiva até autonomia econômica. É doloroso dizer, mas os agressores mais terríveis estão dentro de casa. Entre 100 mulheres salvadorenhas, 20 deixam seus maridos por conta de agressões físicas.
A primeira sede de Ciudad Mujer funciona há um ano e já atendeu mais de 40 mil casos. Em setembro, vamos inaugurar a segunda unidade. Outras duas já estão em processo de construção, com a ajuda financeira do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que deseja estender o modelo de desenvolvimento a outros países da América Latina.
O projeto é baseado em uma ideia simples, porém, inovadora: concentra geograficamente todos os serviços e elimina as barreiras artificiais das competências institucionais. Torna, assim, a administração pública mais eficiente. Ciudad Mujer está estruturada por módulos específicos de atendimento. No combate à violência, a mulher recebe ajuda emocional com terapia psicológica e assessoria legal ou jurídica. Tem apoio policial, coleta imediata de perícias médicas e intervenção do Ministério Público para evitar impunidade, no caso de processo.
Do ponto de vista econômico, Ciudad Mujer oferece diferentes opções de emprego ou de autoemprego mediante a intermediação laboral, a formação profissional, além de assessoria e financiamento de projetos empresariais e de microfinanças. Em especial à saúde sexual e reprodutiva, ajuda com informação e serviços voltados para o planejamento familiar e a detecção precoce do câncer cérvico-uterino e de mamas. A educação é outro foco, feita através do trabalho conjunto com a comunidade, que recebe informações diretas sobre o direito da mulher de viver sem violência.
Os filhos também têm total atenção. Enquanto as mães fazem suas consultas e usam os serviços oferecidos na unidade, eles são atendidos por especialistas pedagógicos, médicos e psicólogos.
O Ciudad Mujer já é uma referência internacional, tendo recebido prêmios como South-South News, outorgado pelas Nações Unidas, que reconheceu o projeto como uma política pública que incide, positivamente, na autonomia da mulher. Recentemente, através do Senado e da Coalizão de Entidades Étnicas dos Estados Unidos, a iniciativa Mujer ganhou a medalha Ellis Island, pelas suas contribuições em sintonia com os valores de solidariedade que estimulam uma sociedade aberta.
A ex-presidente chilena e atual Diretora Executiva da ONU Mujeres, Michelle Bachelet, que esteve na inauguração da atual sede, disse: “Ciudad Mujer é um modelo de intervenção que cumpre com a obrigação política, ética e jurídica de oferecer programas e políticas públicas para liberar as mulheres e as meninas da violência de gênero, promover sua liderança social e política, aceder a melhores prestações de saúde facilitando a sua inserção laboral.” Nosso objetivo é ultrapassar as antigas fronteiras da política de gênero na América Latina, já que estamos cientes de que a luta pela igualdade vai abrir as portas para uma nova realidade mundial e, sem dúvida nenhuma, mais humana.
Vanda Pignato é primeira-dama e secretária de Inclusão Social de El Salvador
Leia em pdf: Uma boa experiência, por Vanda Pignato (O Globo – 08/08/2012)