(Folha de S.Paulo) Quatro décadas depois da histórica e polêmica decisão da Suprema Corte que descriminalizou o aborto nos EUA, Estados cujos Legislativos são dominados pelo Partido Republicano aprovaram, desde 2010, cerca de 130 leis para restringir o acesso das mulheres a esse procedimento.
Em 22 de janeiro de 1973, quando julgou o caso conhecido como Roe x Wade (veja quadro nesta página), o Supremo norte-americano decidiu, por 7 votos a 2, que o Estado não pode negar à mulher o direito de decidir sobre a interrupção de sua gravidez.
A sentença, que desde então dividiu boa parte do país nas facções “pró-vida” (contrária ao aborto) e “pró-escolha” (favorável), permitia aos Estados proibir o aborto só depois que o feto atingisse a “viabilidade” -em decisão posterior, de 1992, essa viabilidade seria fixada por volta da 22ª semana de gestação.
Embora legalmente não possam vetar o procedimento, Estados em que os republicanos têm maioria na Assembleia (hoje, 28 dos 50 do país) já introduziram várias leis para dificultar ou desestimular o acesso à operação.
Elas incluem aconselhamento e exames de ultrassom obrigatórios para mulheres que queiram abortar, restrições à cobertura provida por seguradoras e limitações ao funcionamento de clínicas.
Na Virgínia (sul dos EUA), por exemplo, a Secretaria da Saúde obriga as clínicas a terem o mesmo padrão arquitetônico de hospitais -incluindo corredores de 1,50 m de largura-, e o Texas hoje discute uma norma que impõe realizar todas as operações em centros cirúrgicos ambulatoriais.
Outros Estados propuseram leis para banir o aborto após a 20ª semana de gravidez, que são contestadas na Justiça por entidades “pró-escolha”.
No Mississippi, também no sul, a única clínica de aborto do Estado ameaça fechar em razão de lei que exige dos médicos que trabalham nela autorização para operar em hospitais locais -a qual os hospitais se recusam a fornecer.
Em entrevista recente, o governador do Mississippi, o republicano Phil Bryant, afirmou que sua meta é fechar a clínica. “Se eu tivesse o poder de fechá-la legalmente, faria isso amanhã mesmo”, disse.
“Dentro do contexto de Roe x Wade, fomos muito bem-sucedidos em expandir a proteção legal da vida humana. Trabalhamos para tornar essa decisão irrelevante”, diz Charmaine Yoest, presidente da entidade antiaborto Americanos Unidos pela Vida.
DIVISÃO DO PAÍS
Organizações pró-aborto veem como sinal positivo a derrota, nas eleições de 2012, de candidatos que se disseram contra o procedimento mesmo em casos de estupro.
Analistas afirmam, porém, que diferentemente de outras iniciativas controversas, como o casamento gay -que tem ganho apoio ao longo dos anos-, o país continua tão dividido a respeito do aborto quanto há quatro décadas.
“Os gays lutam por algo que eles não têm. No caso dos direitos reprodutivos, a luta é para manter o status quo. Só que as novas gerações não o veem como ameaçado”, diz Nancy Keenan, presidente da Naral, uma das maiores entidades “pró-escolha” dos EUA.
No segundo mandato do democrata Barack Obama, há a possibilidade de que a Suprema Corte seja convocada a decidir sobre o chamado aborto autoinfligido, que é proibido em vários Estados.
O caso de Jennie McCormack -presa em 2011 em Idaho por abortar sozinha com a ajuda de remédios- é visto por especialistas como um possível novo Roe x Wade.
Acesse em pdf: Estados limitam aborto nos EUA 40 anos após liberação (Folha de S.Paulo – 22/01/2013)