Capacitação profissional de agentes da saúde e segurança pública para o atendimento às mulheres é uma das principais medidas do Programa Mulher: Viver sem Violência.
(Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha) Além de estimular a denúncia de situações de violência, o Programa Mulher: Viver sem Violência tem como objetivo fazer com que a mulher que rompe o silêncio seja bem acolhida pelo Estado. Nesse sentido, além da integração dos serviços num mesmo espaço físico, a capacitação de profissionais da saúde e segurança pública será um de seus focos.
Para a senadora Ana Rita Esgario (PT-ES), a falta de capacitação é hoje um dos grandes obstáculos para um acolhimento de qualidade. Relatora da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) que investiga a violência contra a mulher no País, ela explica: “Esse problema foi recorrente em todos os lugares onde a CPMI passou e é comum em todos os sistemas – de segurança e de justiça. Muitas vezes as mulheres deixam de fazer a queixa, porque os policiais não conseguem orientá-las. E isso vale também para áreas especializadas, no caso de juízes, por exemplo, que não encaminham os pedidos de medidas protetivas no tempo adequado”.
De acordo com a pesquisadora Wânia Pasinato, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, o atendimento inadequado é mesmo uma grande barreira para mulheres que, já fragilizadas, “ainda ficam responsáveis por ter que se deslocar entre os diferentes serviços, contar suas historia repetidamente e, não raras vezes, receber orientações contraditórias”.
Além da capacitação, para ela, a configuração dada para a Casa da Mulher Brasileira, prevista no programa, pode diminuir esse problema. “Ela é a concretização da rede já prevista no marco legal brasileiro e atende a uma demanda do movimento de mulheres que vem desde os anos 1980. Esse programa concretiza essa rede, articula a atenção integral, intersetorial e multidisciplinar. E essa configuração vai direto ao ponto, que é justamente poder acessar todos os serviços em um mesmo lugar e ser recebido por profissionais que seguem um protocolo, que têm uma coerência nos encaminhamentos, que são orientados por um conhecimento compartilhado entre profissionais de diferentes áreas”, explica.
Capilaridade e desafios
Se o programa é uma referência para o acolhimento de mulheres, o desafio agora é fazer com que ele exista nas cidades brasileiras. “Esse programa é complexo na sua implementação, vai demandar o envolvimento político não só do governo federal e um investimento financeiro significativo ao longo dos dois anos, como também é muito importante que nós acompanhemos e pressionemos os governos de cada Estado e município para que eles assumam a sua parcela”, aponta Wânia.
Nesse sentido, para além da implementação das Casas nas capitais, conforme previsto nas medidas anunciadas pelo governo federal, é preciso que o programa chegue às mulheres do interior. “Acho que esses recursos vão ampliar o atendimento, mas eles ainda são restritos às grandes capitais e nós sabemos que existe também as mulheres do interior e, por isso, eles precisam ser interiorizados”, indica a advogada Leila Linhares Barsted, da ONG Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação).
Com isso, além dos entes federativos, cada órgão envolvido no atendimento a essas mulheres precisa fazer a sua parte. “O programa vai aumentar a demanda, e é lógico que isso vai chegar ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e às defensorias. No Rio de Janeiro, por exemplo, o número de defensores em relação ao número de habitantes ainda é muito reduzido, então será preciso abrir concursos para poder prover o atendimento a essa população que vai bater na porta”, aponta a advogada.
Além de aumentar os recursos humanos, ela frisa a necessidade de que o Judiciário avance no sentido de absorver uma visão de gênero. “A cultura jurídica não está acostumada com esse novo sujeito social que são as mulheres que chegam muitas vezes com questões relacionadas à violência. O Direito ainda se orienta muito por uma cultura ‘familista’, em que a família é objeto de direitos, muitas vezes em detrimento dos direitos individuais de seus sujeitos, particularmente as mulheres. É importante que a cultura jurídica supere essa perspectiva de que as mulheres têm a obrigação de preservar as famílias a qualquer custo”, explica a advogada.