(O Globo Online) Após quatro meses de discussão, os três principais partidos britânicos anunciaram nesta segunda-feira um acordo para o que se tornará o novo regime de regulação da imprensa no Reino Unido, país em que os tabloides fazem especial sucesso. Caberá a um órgão independente o papel de impor multas que poderão chegar a um milhão de libras (cerca de R$ 3 milhões) ou até 1% do faturamento das empresas, além de obrigar jornais, revistas e sites de internet com conteúdo jornalístico a publicar pedidos de desculpas com destaque nas primeiras páginas sempre que considerar apropriado.
A medida vem em resposta ao escândalo de grampos telefônicos que levou ao fechamento do tabloide “News of the World”, do magnata Rupert Murdoch, e deu início a uma série de denúncias contra outros veículos de comunicação no Reino Unido. Em debate na Câmara dos Comuns, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, apresentou os detalhes do acordo e garantiu que a proposta não limitará a liberdade de imprensa.
– É correto implantarmos um novo sistema de regulação da imprensa para garantir que tais atos chocantes (escândalos de grampo) não aconteçam novamente. Não podemos mais esperar – disse Cameron.
O novo órgão regulador será criado por meio de uma Carta Real (Royal Charter, em inglês). O documento assinado pela rainha, e usado normalmente para criar instituições como universidades, no passado, e a BBC, será o expediente adotado para impor limites à imprensa desta vez. O texto será levado à rainha em maio. As empresas de jornalismo terão a opção de aderir ou não ao novo regime. Mas está prevista a criação de punições exemplares para aqueles que se excederem e estiveram fora do novo regime.
Para jornalistas, carta tem itens polêmicos
Cameron explicou que, embora não haja uma nova legislação para a mídia, como vinha defendendo desde o início das discussões, duas alterações na lei deverão ser adotadas para garantir seu bom funcionamento. A primeira prevê que qualquer emenda à Carta Real só poderá ser feita se houver consenso de pelo menos dois terços do Parlamento. A segunda, determina como se darão as punições para aqueles que estiverem fora do novo regime.
Os órgãos de comunicação não entraram em detalhes sobre o que está por vir, embora alguns já tenham se mostrado reticentes. Nota conjunta do Telegraph, do Mail e do News International afirma que as empresas de jornalismo não foram representadas nas discussões de domingo e que a carta tem itens controversos que não foram acertados com a indústria.
Mas governo e partidos de oposição alegam que a imprensa não ficou alijada das discussões. Isso porque foi chamada a participar dos intensos debates que se estenderam pela madrugada desta segunda-feira, como também pelo fato de poder compor o conselho do novo regulador.
Especialistas defendem que o fato de o Parlamento assinar embaixo do acordo é mais um fator de pressão para que a imprensa também dê a sua contribuição. Ainda não está certo, contudo, de que modo a nova carta e as duas leis que serão votadas pelo parlamento vão tolher ou não os passos da imprensa.
Evan Harris, do grupo Hacked Off, que representa as vítimas dos escândalos, comemorou o acordo, embora não considere o envio de uma Carta Real a melhor saída. Ele afirmou que a proposta cumpre as recomendações do relatório Leveson, como ficou conhecido o resultado das investigações sobre os escândalos do grampo conduzidas pelo juiz Brian Leveson, divulgadas em novembro do ano passado.
– Depois disso, esperamos que a imprensa perceba o significado de participar totalmente em um sistema que lhe dará a chance de reconstruir a confiança no jornalismo impresso – completou.
Governistas, trabalhistas e conservadores agora garantem terem saído vitoriosos após o acordo. Cameron, que não queria uma nova legislação, disse ter conseguido a Carta Real. Ed Miliband, líder dos trabalhistas, e o líder dos liberais-democratas, Nick Clegg, dizem que conseguiram a sua parcela de legislação. Para Miliband, a proposta será capaz de proteger as vítimas ao mesmo tempo que não afeta a liberdade de imprensa.
Pressão e protestos
Em novembro passado, a comissão liderada pelo juiz Brian Leveson recomendou expressamente a criação de um órgão para controlar os abusos da imprensa. Os grandes meios de comunicação – como “The Daily Mail” e “The Daily Telegraph” – fizeram campanha para protestar contra “a maior tentativa de acabar com a liberdade de imprensa nos últimos 300 anos”.
O governo ficou sob pressão para criar um novo sistema de regulamentação depois que um inquérito liderado por juízes e uma série de detenções revelaram uma cultura perturbadora de rastreamento de telefone e imperícia em algumas partes da imprensa. A maneira que alguns tabloides relataram o desaparecimento e morte de duas crianças atraiu críticas particulares.
Mas as preocupações de que qualquer acordo colocaria em risco a liberdade de expressão adiaram um acordo, com alguns barões da imprensa ameaçando boicotar um novo regime regulatório e ativistas cobrando por uma regulamentação mais severa acusando Cameron de ser influenciado pela imprensa.
Acesse em pdf: Partidos britânicos chegam a acordo para regular imprensa (O Globo Online – 18/03/2013)
Leia também:
Parlamento britânico fecha acordo para regular mídia (Folha de S.Paulo – 19/03/2013)
Imprensa londrina se divide ao meio sobre regulação (Folha de S.Paulo – 19/03/2013)