(Jornal do Brasil) Os recentes casos de estupro no Estado do Rio de Janeiro, que vêm chamando a atenção da população e trazendo uma imagem negativa para a capital fluminense às vésperas dos mega eventos, são consequência da falta de políticas públicas para garantir mais segurança às mulheres, segundo a coordenadora nacional da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), Rogéria Peixinho. No primeiro trimestre de 2013, já foram registrados 1.503 casos de estupro, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ).
“O estado não está garantindo a segurança das mulheres. Continuamos denunciando a falta de policiamento, de iluminação pública. Outro fator importante é que mesmo tendo uma mulher na presidência do país, o papel da mulher na sociedade continua sendo inferior, como um objeto e, se ela é tratada como um objeto, pode-se fazer o que quiser”, afirma Rogéria.
De acordo com a coordenadora da AMB, na época da primeira Marcha das Vadias, em 2011, a entidade registrava 13 denúncias de estupro por dia. Hoje já são 17 diariamente.
Mesmo com os casos de estupro vindo à tona e chegando ao conhecimento da sociedade, Rogéria ressalta que a impunidade ainda é grande e que casos de estupro em transporte público não são novidade.
“Ainda há muita impunidade. Agora ouvimos falar de prisões, mas casos de violência em vans, kombis, são antigos. Sempre recebemos muitas denúncias de estupro dentro desses transportes e nunca tivemos respostas concretas dos órgãos de segurança pública estaduais. O caso da estrangeira estuprada na van teve uma ação rápida por parte do estado, mas na semana anterior tinha ocorrido outro caso e ninguém tinha conhecimento”, critica Rogéria.
Para a coordenadora do AMB, há um despreparo dos agentes de segurança ao lidar com uma mulher estuprada: “a polícia recebe a vítima na delegacia e as primeiras perguntas são ‘com que roupa estava na hora?’ e ‘por que estava andando naquela rua?’, ou seja, falta preparo desses profissionais, eles colocam a vítima como culpada por ter sido estuprada e isso mostra como a nossa sociedade ainda é machista”.
A diretora de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da Secretária de Políticas para as Mulheres (SPM) do governo federal, Ana Teresa Iamarino, concorda que a sociedade brasileira ainda é muito machista, o que para ela indica uma “realidade preocupante”.
“Os casos de estupro em alta nos revelam que permanecemos uma sociedade machista e resistente às políticas voltadas às mulheres, e uma das formas tradicionais de exercício do poder sobre a mulher é através da violência”, afirma Ana Teresa.
Por outro lado, Ana Teresa ressalta que o aumento pode ser considerado relativo, pois em 2009 a legislação que define os casos de estupro sofreu alterações.
“Violências que antes eram enquadradas em outros crimes, como o atentado violento ao pudor, passaram a ser consideradas estupro. Temos que considerar essa mudança legislativa, mas isso também não diminui nossa preocupação com o alto número de casos de estupro registrados”, explica a diretora do SPM.
Ana Teresa afirma que, na perspectiva da violência sexual, a SPM vem adotando políticas para melhorar o atendimento na área da saúde, ou seja, “no fortalecimento da rede de atendimento, como o trabalho psicossocial, além dos sistemas de segurança e justiça”.
Em relação às políticas adotadas para combater a violência contra a mulher, o coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), Julio Jacobo, acredita que “estamos em fase de transição”.
“Ainda temos um longo caminho a percorrer. Os números que chegam às delegacias, aos sistemas de saúde ainda não são muito confiáveis para dizer que há um grande aumento desse crime, mas é claro que há um maior nível de denúncia e mais conscientização das mulheres sobre o tema”, opina Jacobo.
Estatuto do Nascituro
Está prestes a entrar na pauta da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara o Projeto de Lei (PL) 478/2007, conhecido como “Bolsa-Estupro”, que pretende estabelecer o direito integral à vida dos embriões, denominados nascituros. Para a coordenadora nacional da AMB, caso seja aprovado no futuro, o Estado estaria “legitimando o estupro”.
“É uma aberração que está prestes a ser votada nessa comissão. Estamos vivendo um risco muito grande do estado brasileiro legitimar o estupro, pois esse PL evita que as mulheres tenham acesso ao aborto legal, ou seja, o aborto por estupro voltaria a ser considerado crime no Código Penal brasileiro”, critica Rogéria.
*Do Projeto de Estágio do Jornal do Brasil
Acesse em pdf: Ações de combate ao estupro no Rio são ineficazes (Jornal do Brasil – 13/05/2013)