(Rede Brasil Atual) Primeira mulher negra a ocupar o cargo de reitora em universidade federal, Nilma Lino Gomes considera-se resultado da luta pela igualdade.
O currículo de Nilma Lino Gomes é extenso: pedagoga, mestra em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo, pós-doutora em Sociologia pela Universidade de Coimbra, integrante da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação e ex-presidenta da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros. Em abril, tomou posse como reitora pro temporeda Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). E tem muitos planos para a universidade, com sede em Redenção (CE), cidade que aboliu a escravatura em 25 de março de 1884, quatro anos antes da Lei Áurea.
Qual o significado de sua nomeação como reitora?
É mais que o reconhecimento de uma trajetória individual como professora, pesquisadora, conselheira do CNE, representante do movimento negro de longa data. É o reconhecimento de uma luta coletiva da população negra no Brasil, das reivindicações pela promoção da igualdade racial, de ações afirmativas que levaram a mudanças no Brasil nos últimos dez anos, como uma nova relação do Brasil com o continente africano. E, claro, é uma honra e também uma grande responsabilidade.
O Brasil está cumprindo a lei que determina o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas?
A lei em questão, a 10.639, altera uma lei nacional, a de Diretrizes e Bases de Educação, e por isso ganha um caráter nacional. Mesmo assim, não está sendo implementada de maneira regular. Coordenei uma pesquisa nacional, ouvindo professores, alunos, gestores. Em alguns estados e municípios caminha de maneira mais enraizada. Em outros, é incipiente. A pesquisa revela que faltam esforços dos gestores, envolvimento de todos os atores da educação para a implementação. A lei é fruto de lutas dos movimentos contra o racismo e visões distorcidas, estereotipadas, da história dos afrodescendentes. E é um passo importante ao propor uma mudança de mentalidade, a formação de uma nova geração desde a educação básica, no estudo de uma disciplina crítica que a fará repensar a questão do continente africano, da situação da população negra no Brasil. Para mim, a demora e as diferenças na implementação vão além de questões estruturais, de gestão, de financiamento. Estão no ideário brasileiro segundo o qual falar de superação do racismo e da discriminação é entendido por muita gente como forma de discriminar, de separar as pessoas. Por isso as ações indutoras têm de acontecer com maior intensidade.
Qual é a importância da Unilab para a integração dos países de língua portuguesa?
Seu próprio projeto, suas diretrizes para estabelecer na educação superior esse link entre o Brasil e os países de língua de expressão portuguesa, em especial os africanos, e a cooperação internacional Sul-Sul, colaborativa, solidária, para a formação de quadros e a produção de conhecimento. Por meio do intercâmbio acadêmico entre estudantes e professores, a médio prazo teremos novos caminhos. O sentido da Unilab vai além do acadêmico.
E para o Brasil?
Primeira a integrar os povos de língua portuguesa, a Unilab cumpre também seu papel na interiorização, a exemplo de outras universidades criadas nos últimos dez anos. A Redenção, na região do Maciço do Baturité, a Unilab foi a primeira a chegar, trazendo educação superior pública para jovens daqui que dificilmente teriam acesso a uma universidade. Ao ampliar a rede federal, o governo está cumprindo sua função de garantir cada vez mais a educação superior como um direito, uma possibilidade de continuidade dos estudos para formação profissional e intelectual, e não como um privilégio. E também de contemplar as diversas regiões que estavam em desvantagem.
Quais são seus projetos à frente da reitoria?
Minha tarefa é dar continuidade ao trabalho iniciado pelo reitor que me antecedeu, o professor Paulo Speller, hoje secretário da Educação Superior do Ministério da Educação. Ou seja, consolidar a estrutura física e curricular dos cursos e ampliar o quadro de professores, de técnicos e administrativos da mais jovem universidade federal brasileira, que completa dois anos. Temos de incrementar a pesquisa, a pós-graduação, a educação a distância e a própria cooperação do Brasil e da Unilab com os países parceiros, além de produzir conhecimento sobre essa articulação Brasil-África. É bastante trabalho.
A Unilab já funciona plenamente?
As unidades de Redenção sim, com algumas obras ainda em construção, como área de convivência e esporte, com praça e academia de ginástica no campus Liberdade. Na de Palmares, em Acarape, está sendo construído um novo bloco didático de quatro andares. Na das Auroras, entre Redenção e Acarape, que vai atender 5 mil estudantes, há um primeiro prédio sendo construído. No campus de São Francisco do Conde, já temos em funcionamento a educação a distância e cursos de especialização.
Como a universidade se relaciona com a população?
Primeiro, pela inserção dos jovens de Redenção e das redondezas no quadro de estudantes e, depois, pelo convívio cotidiano que proporciona entre essa população e nossos alunos e professores que vêm do continente africano, ajudando-os a superar representações negativas de cada lado. Além disso, a universidade tem vários projetos de extensão, com estudantes atuando em escolas de educação básica por meio de programas de apoio à docência, em projetos de desenvolvimento rural, que permitem o contato com pesquisadores, inclusive estrangeiros, e atividades culturais e esportivas abertas à comunidade, cursos de idiomas.
O que a Unilab já conquistou?
A própria existência da universidade é uma conquista. Sua configuração, sua localização permitem a construção e consolidação de um espaço acadêmico com a presença de estudantes brasileiros e estrangeiros. Essa proposta de internacionalização em nível superior público, de cooperação Sul-Sul, é ao mesmo tempo um desafio e um passo muito importante.
Acesse o PDF: Integração pela igualdade (Rede Brasil Atual, 24/06/2013)