(Correio Braziliense) Enquanto no Brasil a Câmara arquiva projeto que propõe a “cura de homossexuais”, na Rússia, o tratamento promete ser mais rigoroso. A Câmara baixa aprovou no último mês, por unanimidade, um projeto de lei que criminaliza “propaganda” homossexual. Por 436 votos a 0, e com apenas uma abstenção, o projeto ainda precisa ser votado pela Câmara alta e sancionado pelo presidente Vladimir Putin, mas, como a lei faz parte do resgate de valores russos ortodoxos, é mais provável que passe a valer em breve. Na prática, se torna uma ofensa dizer que relações entre pessoas do mesmo sexo são iguais às heterossexuais, com pena de multa e prisão.
A repressão a homossexuais nos Jogos de Inverno já está em vigor há mais tempo. Em agosto do ano passado, o governo vetou a pride house (casa do orgulho gay), que funcionou nas Olimpíadas de Londres, em 2012, e na edição de inverno de 2010, em Vancouver, como ponto de reunião de atletas gays. A proibição partiu do Ministério da Justiça russo. Pela justificativa da juíza, “propaganda de orientação sexual não tradicional pode minar a segurança da sociedade russa e provocar ódio social-religioso”.
Enquanto o evento não chega, grupos LGBT se organizam para protestar e até tentar organizar um boicote aos Jogos de Inverno. Na parada gay de Nova York, que ocorreu no último domingo, o caso estava estampado nos cartazes dos manifestantes. O grupo Rusa (Associação Russa LGBT nos Estados Unidos) tem mobilizado atletas de todo o mundo para que as Olimpíadas sejam boicotadas. Em uma carta aberta à comunidade gay, o grupo defende que ninguém vá a Sochi nem apoie os patrocinadores olímpicos. “Deixe o governo russo saber que o mundo não vai tolerar homofobia e perseguição impulsionados pelo Estado”, diz o documento. O grupo defende, ainda, que o evento não é seguros para atletas, espectadores e simpatizantes gays.
Diante da ameaça, o Comitê Olímpico Internacional (COI) se pronunciou por meio de assessoria de imprensa: “Gostaríamos de reiterar nosso longo compromisso com a não discriminação contra quem participa de Jogos Olímpicos. O COI é uma organização aberta e atletas de todas as orientações sexuais são bem-vindos às Olimpíadas”. Ainda assim, o grupo LGBT Rusa duvida que a participação possa ser segura. “Como eles podem garantir isso?”, questiona um dos documentos.
O corredor Érico dos Santos, presidente da Confederação de Desportos LGBT no Brasil e um dos poucos atletas assumidamente gays do país, apoia o boicote e disse que evitaria o evento caso fosse mais influente em sua modalidade. “Seria uma forma de o meu país também pressionar as Nações Unidas para que a Rússia possa rever esse tipo de lei”, analisa.
A esquiadora Josi Santos acaba de ser selecionada para a Seleção Brasileira de esqui aéreo e discorda da possibilidade de boicotar as Olimpíadas de Inverno. “O atleta tem que ir lá e competir, não fazer protesto. Depois de quatro anos treinando, vou jogar tudo fora?”, questiona. Para a presidente do grupo Rusa, Nina Long, o maior alvo não são os atletas e sim os patrocinadores do evento. “Retirar um grande patrocínio, por exemplo, seria uma ação mais positiva. Imagine se a Coca-Cola, por exemplo, amiga da causa gay, resolver não apoiar o evento? O impacto seria bem maior.”
O que diz a lei
Na Rússia, usar a internet para fazer “propaganda” gay pode gerar multa de mais de R$ 6 mil. Se a infração for cometida por uma organização de mídia, por exemplo, a cifra alcança a casa do milhão, além de as empresas poderem ser fechadas por 90 dias. Nas ruas, uma parada gay, por exemplo, pode resultar em multa de R$ 350 para pessoa física e R$ 3,4 mil para funcionários do governo. Estrangeiros podem ser presos por até 15 dias e deportados.
O que dizem atletas brasileiros
“Hoje em dia, as pessoas não ficam mais quietas, mas não sei se é a melhor forma de protestar. Acho válido se é uma questão muito importante para o atleta e se eles sabem quais os efeitos disso no futuro. Não consigo pensar em uma causa que me faria boicotar um campeonato” – Fabíola Molina, nadadora
“É uma forma de os jogadores protestarem, de mostrarem a insatisfação com algum tipo de posição do governo. Se tivesse alguma coisa que eu fosse contra, seria sempre colocado em questão isso de boicotar ou não um torneio. Boicotar é difícil, mas alguma outra ação, acho que eu faria. É um modo de o governo sentir que se está fazendo algo de errado” – Guilherme Giovanoni, jogador de basquete
“Isso envolve só os atletas que forem bem informados. Isso não aconteceria dessa forma aqui no Brasil. Lá fora, existe uma mentalidade muito diferente, há uma discussão maior sobre os direitos. Não vejo os atletas brasileiros com essa posição. Querem muito ganhar medalha, chamar a família, ganhar dinheiro, são funcionários do esporte. Se você abrir o mundo do esporte aqui, tem muito gay também, mas ninguém fala. Na Rússia, não, lá vão usar o evento para chamar a atenção para uma coisa absurda.” – Jaqueline, Ex-jogadora de vôlei de praia
Acesse o pdf: Na Rússia, lei antigay pode provocar boicotes às Olimpíadas de Inverno (Correio Braziliense – 04/07/2013)