(Território de Maíra) Mais uma vez, os direitos das mulheres estão em risco. Essa é a avaliação de dezenas de organizações da sociedade civil e movimentos de mulheres, que pressionam a presidenta Dilma Rousseff para sancionar o Projeto de Lei (PL) 60/99. Do outro lado da corda está a bancada religiosa, que exige o veto imediato ao projeto, cujo tema é o atendimento à saúde de mulheres e adolescentes vítimas de violência sexual.
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O PL prevê que os hospitais devam oferecer atendimento multidisciplinar às pacientes. Com isso, além de ser assistida no que diz respeito às possíveis lesões físicas sofridas, a mulher receberá apoio psicológico e ajuda no registro da ocorrência em delegacia especializada. “Esta lei, embora não traga qualquer alteração nas regras que hoje regem o atendimento à saúde de mulheres e adolescentes vítimas de violência, representa um reforço legal precioso para as orientações que regem este atendimento, traduzidas na Norma Técnica de Atenção aos Agravos da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, do Ministério da Saúde, fruto de amplo consenso na área médica e entre os movimentos de mulheres”, diz o documento das organizações e movimentos de mulheres.
Elaborado pela então deputada Iara Bernardi (PT-SP), o projeto também discorre sobre a coleta de DNA do agressor e o uso de medicação para prevenir (repetindo em caixa alta: PREVENIR) doenças sexualmente transmissíveis e uma possível gravidez resultante do estupro. Ou seja, a utilização da pílula do dia seguinte.
Porém, para a bancada religiosa, que tem como um dos porta-vozes Marco Feliciano (PSC-SP), esse último trecho é sinônimo de aborto. E por isso, as mulheres que sofrerem violência simplesmente não devem receber toda essa rede de auxílio. “Não cabe a hospitais oferecer orientação jurídica às vítimas. Essa é uma responsabilidade das delegacias de polícia e autoridades competentes”, afirmou o deputado federal.
Além de Feliciano, se reuniram na última quarta-feira com os ministros Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil) o secretário-geral da CNBB, Leonardo Ulrich Steiner; Antonio Cesar Perri de Carvalho, presidente da Federação Espírita do Brasil; Wilton Acosta, presidente nacional do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política; Lenise Aparecida Martins Garcia, presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida; Jaime Ferreira Lopes, representante da Associação Nacional da Cidadania pela Vida; Paulo Tominaga, presidente da Confederação Nacional das Entidades de Família.
Ontem foi a vez das mulheres. Elas se reuniram com Hoffmann, Eleonora Menicucci (ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres ) e com representantes do Ministério da Saúde e da Secretaria de Direitos Humanos.
“Não consigo ver onde o Ives Gandra Martins e a bancada evangélica viram qualquer brecha para legalizar o aborto. É possível que estejam preocupados com o ‘atendimento emergencial às vítimas de violência sexual’ – o que significa o oferecimento da mais conhecida como ‘pílula do dia seguinte’. É possível que seja este o retrocesso em nossas conquistas, que eles visam. A atitude deles parece bastante consistente”, afirma Rachel Moreno, integrante do Observatório da Mulher, uma das organizações que assinam a carta para Dilma.
Rachel deu um breve depoimento para o blog: “Primeiro, tomam de assalto a Comissão de Diretos Humanos e Minorias porque nela antevêem a possibilidade de barrar ou aprovar os projetos que lhes interessem. Depois, aceleram o andamento do ‘Estatuto do Nascituro’, que cria uma nova personalidade jurídica (o nascituro) a quem atribui mais direitos (à saúde, à vida) do que à mulher em cujo ventre eventualmente se aloje. Eleva o status do estuprador para genitor, e propõe que, caso o gentil estuprador se recuse a pagar uma pensão à mulher estuprada e grávida, que o Estado o faça, caso ela opte por levar a termo a gravidez assim imposta.
Com a garantia ao direito à vida e à saúde, acima do direito de qualquer outro, a mulher cuja gravidez ameaçar a vida tem menos direito do que o nascituro. O recém-conquistado direito ao aborto legal em caso de anencéfalo também se perde, na medida em que o ‘nascituro’ tem ‘direito à saúde’, acima dos direitos da mulher. Depois, tentam penalizar as entidades feministas que têm atuação mais de ponta com relação ao aborto, propondo a CPI do aborto. Não ousam provocar os médicos que, através de seu Conselho Federal, propuseram a legalização do aborto, por decisão da mulher, até o terceiro mês de gestação. Os médicos são mais poderosos… Além disso, contrariando o parecer técnico de uma categoria profissional (a dos psicólogos), insistem até onde podem na ‘Cura Gay’, tentando abrir brecha para que pastores e profissionais se proponham a curar… o que não é doença! Intervêem no Ministério de Saúde, no Ministério de Educação, sempre que algum projeto não lhes agrada. E, finalmente, aliando-se às religiões mais organizadas (entre elas, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil e a Convenção Batista Nacional), buscam garantir ampla e constitucionalmente o seu “direito” a propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (STF). O mais grave, com isso tudo, além do fato de um segmento da sociedade pretender infligir um retrocesso sobre as conquistas de metade da população (as mulheres), está o fato de se caracterizar cada vez mais um fundamentalismo que avança, convenientemente ‘esquecendo’ que, constitucionalmente, o Estado é Laico. É por isso que acho que a bandeira da Defesa do Estado Laico deveria ser a bandeira geral, sob a qual se explicitam os projetos pontuais com os quais eles nos têm brindado.”
Além do documento enviado à Dilma, as mulheres estão circulando um abaixo-assinado pela internet.
Trata-se de mais um embate, como tantos outros que temos assistido.