(O Globo) “Eu vou estuprar você às 9 da noite”. O tweet não foi mandado por um talibã para uma jovem indefesa do Afeganistão; chegou na conta de uma deputada trabalhista do Parlamento inglês, Stella Creasy. Posts semelhantes inundaram o celular de Caroline Criado-Perez , blogueira e feminista, na assustadora velocidade de um por minuto. A ameaça, via Twitter, para quatro colunistas de jornais ingleses importantes era: “vou botar uma bomba na sua casa”. Todas essas pessoas têm em comum o envolvimento – maior ou menor – em inofensivas manifestações exigindo do Banco Central britânico manter a foto de uma mulher em qualquer das notas da libra. Esta campanha de ódio está acontecendo estes dias, pleno século XXI, numa das capitais do mundo. Repete cenas de misoginia cada vez mais comuns pelo mundo, dos EUA ao Brasil, Paquistão e Dubai.
Nas ruas londrinas, a história começou leve, com mulheres fantasiadas de personagens históricas: umas três foram de Rosalind Franklin – pioneira da biologia molecular na década de 20 -, outra foi vestida como a escritora do século XIX George Eliot, (pseudônimo de Mary Ann Evans), uma jornalista preferiu sair de “lésbica estilo anos 30”. Protestavam contra a decisão do ex-primeiro-ministro Winston Churchill substituir na nota de 5 libras Elizabeth Fry, uma inglesa chamada de “o anjo das prisões” no século XVII. Todas achavam inaceitável só homens terem suas imagens reproduzidas nas notas de libra, um indiscutível símbolo de reconhecimento de sucesso, poder ou legado, visto por todos, praticamente todos os dias. Recolheram mais de 30 mil assinaturas e foram bem acolhidas pelo novo presidente do Banco da Inglaterra. Ele fez uma escolha blindada contra polêmicas: no lugar de Charles Darwin, a imagem da nota de 10 libras será, a partir do próximo mês, Jane Austen, a autora de “Orgulho e Preconceito”, uma unanimidade nacional.
Ou, pelo menos, achava-se, até tudo virar uma amarga discussão sobre estupro, poder e liberdade de expressão nas mídias sociais. A polícia já prendeu um homem de 21 anos – liberado sob fiança -, aconselhou às jornalistas que fiquem fora de casa e, neste início de investigações, acha que as ameaças vêm de várias pessoas postando anonimamente, ou seja, trollando. A violência das ameaças não combina com o tom bem comportado da campanha, mas as mulheres contam que são alvos frequentes de abusos semelhantes. A colunista Catlin Moran – também autora do livro “ Como ser uma mulher”, editado pela Companhia das Letras no Brasil – iniciou um movimento para criar no Twitter um botão denunciando assédio, bullying ou ameaças, conquistando 120 mil assinaturas imediatamente.
“Nós estamos lidando com uma direita estabelecida e abertamente antifeminista”, diz Suzane Moore, em coluna no “Guardian” sexta-feira.
Nenhuma dúvida que mulheres são players no mundo contemporâneo, mas o absurdo teima em acontecer. No Brasil, as meninas da Marcha das Vadias também viraram alvo de ameaças no Twitter, e a presidente Dilma enfrentou pressões para não assinar a lei garantindo a pílula do dia seguinte em hospitais públicos às vítimas de violência sexual. Na moderna Dubai, meca da arquitetura e arte contemporâneas, uma norueguesa de 24 anos foi condenada a 16 meses de cadeia ao tentar fazer registro do estupro que sofrera. Nos Estados Unidos, a maluquice é igual ou maior: Ariel Castro, o homem condenado à prisão perpétua por manter em cárcere privado três mulheres em Cleveland, requereu o direito de ser visitado pela filha resultado de estupro.
Estas histórias não são pequenos incidentes isolados, aos poucos vão fazendo parecer “aceitáveis” crimes sexuais e redução de direitos. A nova estrela da política americana é Wendy Davis, a senadora do Texas, famosa nacionalmente após discursar na tribuna durante 21 horas seguidas para evitar a aprovação de uma lei que praticamente bane o aborto no estado. Para ficar em pé tanto tempo foi escorada por mulheres, todas de laranja, alternando-se na ajuda à senadora, lotando as galerias e pressionando os republicanos. Não adiantou: o governador de extrema-direita, Rick Perry, convocou uma sessão extra e aprovou a lei, adicionando mais uma restrição às 43 que entraram em vigor no ano passado.
A gente já viu que este ano é dos gays – vitoriosos na luta pelo direito de casar – mas tomara que 2013 não marque também um retrocesso na igualdade entre homens e mulheres, sejam elas héteros ou homos.
Acesse o PDF: Sem orgulho, só preconceito (O Globo – 04/08/2013)