(Correio Braziliense) O Brasil, a partir de 1950, passou por um processo de desenvolvimento econômico marcado pela urbanização e industrialização, que lançou as bases da transição demográfica, com redução da mortalidade tanto neonatal quanto infantil e de adultos, mulheres e homens. Desenhou-se uma elevação da esperança de vida. Em 1950, essa era de 50 anos. Em 2000, subiu para 70 anos. Nas próximas décadas, as taxas de mortalidade devem ficar estáveis, enquanto as de natalidade continuarão caindo.
Essa transição demográfica marca uma mudança na estrutura etária da população, com a redução do peso relativo das crianças e consequente aumento do peso dos adultos e das pessoas idosas.
Ou seja, a população brasileira está envelhecendo – em 1960 havia 3,3 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, que representavam 4,7% da população. Em 2011 a taxa subiu para 12%, com 23,5 milhões (Pnad/IBGE, 2011). Mudança que requer um olhar atento ao processo.
Nesse cenário, as mulheres são a maioria (55,7%), o que caracteriza uma tendência à feminização do envelhecimento. Os números da demografia nacional mostram que o rosto das pessoas idosas é feminino, confirmando o que apontam várias pesquisas: as mulheres vivem mais do que os homens, embora em grande parte com doenças crônicas degenerativas. Esse envelhecimento apresenta desafios em diversos campos, inclusive com índices de incapacidades funcionais relevantes para uma vida saudável.
Preocupada com a questão, a Secretaria de Políticas para as mulheres (SPM/PR) solicitou à pesquisadora da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp) e especialista nesse campo, doutora Guiomar Silva Lopes, elaborar diagnóstico e apontar possíveis políticas para a promoção de um envelhecimento saudável.
As idosas são menos escolarizadas. Isso se reflete na sua inserção no mercado de trabalho com informalização e baixos rendimentos, inclusive quando comparadas com os homens idosos. As condições socioeconômicas têm impacto significativo na morbidade e mortalidade femininas: um grande número de pessoas acima de 60 anos tem doenças hipertensivas, articulares e diabetes.
O diagnóstico de Guiomar propõe a adoção ou aprimoramento de políticas e ações em várias áreas para garantir o envelhecimento saudável, produtivo e tranquilo. Dentre as possibilidades, sugere a criação de núcleos de pessoas idosas, que permitam valorizar seus saberes, ampliar conhecimentos e a conscientização do processo de envelhecimento.
A especialista chama a atenção para uma das ações desenvolvidas nos programas de extensão de universidades das regiões Sudeste e Sul – a Universidade Aberta da Terceira Idade. O programa propõe uma estratégia para enfrentar os desafios do envelhecimento, articulando o campo disciplinar da gerontologia com educação, ciências sociais, arte e esporte em abordagem interdisciplinar.
Para a SPM/PR, a política para a população idosa com enfoque de gênero é um desafio para garantir o acesso a direitos e serviços públicos com qualidade para o atendimento respeitoso desse grupo de população. A distribuição de responsabilidades entre família, sociedade e Estado pela promoção dos direitos das pessoas idosas não deve obscurecer o fato de serem as mulheres, no interior das famílias, não raro idosas, as principais responsáveis pelo cuidado de pessoas idosas com algum grau de dependência.
O ciclo vicioso em que as pessoas idosas entram só será rompido com políticas públicas transversais que abram oportunidades de melhoria de vida. Afinal, à medida que as mulheres envelhecem, vão sendo arrancadas do cotidiano “normal”, visível e paulatinamente exiladas numa espécie de universo paralelo. Nele, são transformadas em seres desimportantes e maltratados, para os quais são destinadas condições de vida cruéis. Transportes, se já são ruins para a população, são ainda piores para as pessoas idosas.
Faltam atividades sociais, com exceção de alternativas restritas às grandes capitais. Faltam especialistas em gerontologia. Sobram dificuldades que acabam transformando a vida das mulheres, principalmente, numa espécie de pena a ser cumprida pelo crime de terem envelhecido – quando, exatamente por terem passado por tanta coisa na vida, deveriam ser cuidadas e, mais que isso, ouvidas e consideradas. Se o governo vem aprofundando o conhecimento nessa área para traduzi-lo em políticas, à sociedade cabe acordar e perceber que não são pessoas, isoladamente, que envelhecem. Mas a sociedade como um todo.
Eleonora Menicucci, Ministra de Estado chefe da Secretaria de Políticas para as mulheres da Presidência da República.
Acesse o PDF: Envelhecer com qualidade (Correio Braziliense, 18/08/2013)