(Folha de S.Paulo) “Sou Rose Marie Muraro, chegando aos 83 anos, e como vocês sabem fui nomeada pelo governo federal, em 2005, a Patrona do Feminismo Brasileiro, e também cidadã honorária de Brasília e de São Paulo, além de ter sido duas vezes escolhida uma das mulheres do século.”
É dessa forma que a celebrada escritora e intelectual começa a carta dramática enviada a seus amigos há alguns dias. “Semicega”, como diz, e “semiparalítica”, desabafa: está também passando por grave dificuldade financeira. E pede socorro.
“Depois de mais de cinquenta anos de dedicação à sociedade brasileira, encontro-me hoje numa situação financeira muito delicada porque não tenho mais condições físicas para ler nem escrever, pois minha miopia aumentou enormemente (42º), e uma pneumonia dupla me levou a força das pernas. Não posso mais trabalhar nem viajar como antes. Continuo trabalhando em casa dando assessoria para um senador e transformando algumas de minhas obras em e-book.”
As despesas se multiplicaram nos últimos anos, relata. Os filhos ajudam. “Entretanto, meus custos com remédios, acompanhantes e outras despesas excedem em muito a minha receita. Preciso de mais recursos para continuar trabalhando.”
Rose perdeu o pai quando era jovem, e rompeu com a família, “que era muito rica”, para se engajar em movimentos sociais. “Se você tem hoje a sua liberdade, é porque eu fiquei pobre”, disse ela à coluna. Nos anos 40, juntou-se à equipe de dom Helder Câmara. Trabalhou com Leonardo Boff na editora Vozes. E quer agora preservar o acervo do instituto que leva o nome dela, “para que os estudos de gênero continuem gratuitamente à disposição de toda a sociedade brasileira”.
A entidade, explica na carta, foi criada em 2009 também “para ser uma forma de contribuição nesta difícil etapa final de minha vida”. Ainda não obteve recursos públicos. “Mas continuamos trabalhando arduamente e participando dos editais acreditando que em breve seremos contemplados.” O instituto sobrevive com recursos próprios, ajuda de “poucos amigos” e o dinheiro arrecadado em sua cantina.
Rose quer produzir documentários e e-books de diálogos com lideranças de movimentos sociais. “Pelo curto tempo que tenho”, escreve, “preciso com muita urgência de uma secretária que possa ler para mim e redigir meu trabalho semanalmente”. Segue a carta: “É contando com vocês, amigas e amigos, e com meu coração esperançoso que lanço esta campanha de contribuição financeira como forma de reconhecimento pelos meus longos anos de trabalho em prol da mulher brasileira, que mudou o pensamento de uma geração inteira, abrindo caminho para a transformação das novas gerações. (…) Serei eternamente grata. Isto me permitirá continuar vivendo e produzindo com as forças que me restam.”
A ministra Eleonora Menicucci (Mulheres) telefonou para dizer que fará de tudo para ajudá-la. Cem pessoas já depositaram algum dinheiro de forma anônima em sua conta. “Eu não conheço ninguém e agradeço a todo mundo. Valeu a pena”, diz Rose. “Mas escreve aí: não estou pedindo esmola. Estou pedindo uma contribuição.” E afirma: “Mesmo que ninguém me desse nada, eu faria tudo na minha vida outra vez.”
Acesse o PDF: O apelo dramático de Rosie Marie Muraro (Folha de S.Paulo, 26/08/2013)