(Luciana Araújo / Agência Patrícia Galvão, 12/12/2013) O grupo paraibano de comunicação Correio volta a ser o centro de polêmica envolvendo violações dos direitos das mulheres. No último dia 4, no programa “Correio Debate” (veiculado pela Rádio Correio – 98FM), o apresentador Fabiano Gomes verbalizou uma série de ofensas a vítimas do crime que ficou conhecido como pornografia de vingança.
Ao comentar reportagem de um jornal do Estado, que informava sobre investigação da Polícia Civil no município de Pombal para apurar responsabilidades na postagem de fotos íntimas de uma adolescente de 15 anos na internet, Fabiano afirmou que não se deveria “ocupar o setor de inteligência da Polícia para procurar foto de cocotinha que tirou foto nua”. Para Gomes, que também ocupa a função de diretor de jornalismo da emissora, “é problema delas” se as imagens são postadas na rede. O apresentador refere-se às vítimas do crime – que é previsto na Lei Maria da Penha e vem mobilizando juristas e parlamentares em todo o país após o suicídio de duas jovens que passaram pela situação – como “sem-vergonhas”.
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– A violência contra a vagina, por Eliane Brum (El País)
O tempo todo Gomes desqualifica as mulheres que permitem a produção de fotografias ou vídeos íntimos por parceiros, desconsiderando a responsabilidade dos homens no vazamento das imagens. Ao contrário, chega a afirmar que “o problema não é esse”.
Durante o programa, Gomes chegou a chamar o colega de bancada, Eron Cid, de “mau-caráter” porque este discordou de seus posicionamentos e apontou que ele estava sendo preconceituoso.
Questionado pelo Sindicato dos Jornalistas no Estado da Paraíba, o radialista voltou à carga no dia seguinte, atacando também o presidente da entidade e diretor da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Rafael Freire. As falas do radialista motivaram nota de repúdio da Fenaj a Fabiano e ao Grupo Correio, por infração do código de ética profissional, machismo e incitação à violência.
Sociedade e Justiça reagem
A polêmica e o silêncio da emissora motivaram a realização de um protesto em frente às sedes do Grupo Correio na capital paraibana e na cidade de Campina Grande nesta quarta-feira (11). Movimentos de mulheres e LGBT e outras organizações da sociedade civil exibiram cartazes e faixas denunciando o machismo na emissora. “O Sistema Correio tem vários casos de desrespeito aos direitos das mulheres. No ano passado, tivemos várias mortes promovidas pelo tráfico e, em alguns, as vítimas foram esquartejadas. E cenas como essa foram exibidas na TV”, relata Cristina Lima, da ONG Cunhã Coletivo Feminista.
O Ministério Público também promete entrar no debate. A promotora de Justiça da Mulher no Estado, Rosane Araújo, afirmou à Agência Patrícia Galvão que: “nós vamos representar com certeza, judicialmente e administrativamente, e para apurar também a responsabilidade do Grupo”.
A Agência buscou ouvir a emissora. O coordenador de radiojornalismo, Eduardo Carneiro, informou que Fabiano Gomes e o Departamento Jurídico da rádio falariam. No entanto, até o fechamento desta matéria nem o radialista e nem os advogados retornaram os contatos efetuados.
Reincidência
O Grupo Correio já está envolvido em outra batalha jurídica motivada por tratamento degradante às mulheres. O Ministério Público Federal na Paraíba recorre de decisão da 3ª Vara Federal no Estado, que condenou a TV Correio (repetidora da Record), ao pagamento de R$ 200 mil por danos morais coletivos, em razão de ter exibido no programa ‘Correio Verdade’, em 30 de setembro de 2011, cenas de estupro de uma adolescente. O MPF pede o aumento da condenação para R$ 5 milhões, a serem revertidos para o Fundo Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente dos municípios de João Pessoa e Bayeux (cidade onde ocorreu a agressão sexual), e a cassação da concessão da emissora. Como pena alternativa, caso o Judiciário não determine o encerramento das atividades da TV, a Promotoria pede a suspensão do programa por 15 dias e que neste período seja veiculado programa de promoção dos direitos de crianças e adolescentes infratores e vítimas de violência, indicado pelo MPF. A Promotoria pede ainda que a emissora e o apresentador Samuel de Paiva, conhecido como Samuka Duarte, sejam condenados a indenizar a vítima em R$ 500 mil.
No recurso, o MPF destaca que é recorrente a prática da concessionária de veicular cenas degradantes de violência e crimes sexuais.
Para o caso de a emissora voltar a exibir cena ou imagem de violência ou crimes envolvendo crianças ou adolescentes menores de 18 anos, na condição de vítimas ou em conflito com a lei, o Ministério Público pede ainda a imposição de multa diária em valor não inferior a R$ 20 mil, que deve ser revertido ao Fundo de Interesses Difusos e Coletivos previsto na Lei nº 7.347/85 (que disciplina a ação civil pública).
Pornografia de vingança na mira da lei
No escopo da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006 ) já é possível a punição ao crime de divulgação de vídeos ou fotografias íntimas de mulheres por parceiros ou ex, tendo em vista que é considerada violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação baseada no gênero que cause sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
No Congresso Nacional tramitam ainda dois projetos de lei que buscam regulamentar mais especificamente os crimes virtuais contra a mulher. Um deles, apresentado pelo deputado João Arruda (PMDB-PR), inclui tipificação específica na própria Lei Maria da Penha e prevê a possibilidade de o Judiciário determinar ao provedor de internet ou serviços de e-mail e redes sociais a remoção do conteúdo em um prazo de 24 horas.
O outro, proposto pelo deputado Romário (PSB-RJ), inclui o crime de pornografia de vingança no Código Penal, com pena de detenção de um a três anos e multa – aumentada em um terço se o autor do crime for ou tiver sido parceiro amoroso da vítima -, além do pagamento por parte do criminoso de despesas decorrentes de necessidades de mudança (domicílio, escola) ou perda de emprego ou tratamento da mulher. Se a vítima for menor de 18 anos a pena é aumentada em mais metade do tempo. E, se o crime for cometido por meio da internet, o texto prevê que o judiciário proíba o autor de acessar redes sociais e serviçoes de e-mails ou mensagens eletrônicas por até dois anos.
Ouça aqui o áudio do programa Correio Debate do dia 4 de dezembro de 2013
NOTA DA REDAÇÃO: Após as manifestações e repercussão na mídia, na tarde desta quinta-feira (12) Fabiano Gomes pediu desculpas às mulheres, e afirmou que estava errado e que sua atitude não tinha nada a ver com a empresa.
Com informações do MPF.
>> Contatos para mais informações
Gilberta Santos Soares – Secretaria Estadual da Mulher e da Diversidade Humana – (83) 3211-6765
Cunhã Coletivo Feminista – (83) 3241-5916
Atualizada em 13/12/2013 às 8h37