(EXAME.com) “Ainda há uma raridade que o poder executivo possa descansar em ombros femininos”, diz a analista política, María de Los Angeles Fernández
No dia 11 de março, Michelle Bachelet voltará à presidência do Chile após derrotar nas eleições outra mulher, Evelyn Matthei, mas embora isso signifique um avanço na igualdade entre os gêneros, a realidade evidencia que se avançou muito pouco na participação política feminina.
Quem não conhece bem o Chile pode pensar que o fato de que se Bachelet e Matthei disputassem a presidência em 15 de dezembro “constitui uma medida dos avanços vividos pelas chilenas”, assinala María de Los Angeles Fernández, diretora-executiva da Fundação Chile 21.
“Essa impressão não é só enganosa mas coexiste com algo que não se pode esquecer: resulta ainda uma raridade que o poder executivo possa descansar em ombros femininos”, diz a analista política.
Além dos governantes Dilma Rousseff no Brasil e Cristina Kirchner na Argentina, América do Sul contará a partir de março com Michelle Bachelet no Chile.
Seu segundo mandato coincidirá ainda com a presidência feminina do Senado (provavelmente de Isabel Allende); da Confederação Unitária do Trabalho, com Bárbara Figueroa; e das duas federações estudantis mais importantes do país, as da Universidade do Chile e da Universidade Católica.
Além disso, as eleições parlamentares de 17 de novembro significaram o triunfo de duas jovens mulheres que lideraram os protestos estudantis, as deputadas comunistas Camila Vallejo e Karol Cariola.
Mas as aparências enganam e a imagem feminista que o Chile transmite para o exterior é apenas uma miragem de um suposto avanço rumo à igualdade sob a qual se esconde uma baixa inserção da mulher no mundo profissional e pouca participação em política, argumentam analistas se apoiando em diversos estudos.
Segundo relatório do barômetro Equidade, a taxa de mulheres no mundo profissional no Chile é de 47,6%. Além disso, atualmente há 6 mulheres nos 22 ministérios do governo de Sebastián Piñera e só têm 13% de representação no Senado e 14% na Câmara dos Deputados, contra 20,3% da média mundial.
Se não forem aplicadas medidas de discriminação positiva, nesse passo o Chile só alcançará a paridade legislativa por volta de 2050.
“O porquê de o Chile continuar sendo machista é um tema muito profundo: ainda há mulheres com carreiras universitárias que deixam de trabalhar para cuidar de seus filhos e a diferença salarial em cargos de direção pode chegar a 30%”, explica à Efe Pilar Arica, presidente da Women-CEO Chile.
Pamela Díaz-Romero, diretora da Fundação Equitas, chama a atenção para o fato de que as mulheres que entram para a política sejam, no geral, “aquelas que já passaram da fase de criação de seus filhos”.
Na regra geral sempre há exceções, como a ex-líder estudantil Camila Vallejo, jovem e mãe escolhida recentemente como parlamentar.
Em tempos em que a atividade política parece estar desumanizada, Victoria Hurtado, vice-presidente da corporação Humanas, considera que a proximidade das mulheres favorece os partidos.
“Há uma série de traços que são atribuídos ao feminino, não importando se (as mulheres) tenham ou não: a preocupação com outros, a empatia, a responsabilidade, virtudes que se estimam que faltam em política.”
Nesse sentido, a pesquisa que a ONG Equitas fez durante as eleições evidenciou que, apesar de que o número de candidatas que se apresentaram era baixo, sua elegibilidade como parlamentar foi muito alta.
E segundo a socióloga Julieta Kirkwood, “as mulheres aparecem na política em tempos de crise” e se Bachelet surgiu em 2005 em um momento no qual a Concertação achava difícil chegar a um quarto governo, Evelyn Matthei emergiu em julho de 2013, quando a maré afogava a direita chilena.
A psicóloga Victoria Hurtado lembra ainda que Bachelet era a única liderança reconhecida da esquerda em 2005 e, de fato, o ser mulher jogou contra si quando tentou aplicar a paridade nos ministérios ao princípio de seu governo.
Uma pesquisa da Corporação Humanas ressaltou que 56,6% das mulheres do país acham que os partidos políticos dão poucas oportunidades e por isso desde diferentes setores se pede uma lei de cotas ou da representação equilibrada.
Mas parte do problema mora na educação e no fato de que a sociedade “barra” as meninas, enquanto “se pressiona a exigir mais” das crianças, expressou Arica.
As mudanças sociais são lentas e as necessidades grandes e urgentes, mas hoje as meninas chilenas podem sonhar ser presidentes, deputadas, senadoras ou líderes de movimentos estudantis em um país que conseguiu ter uma mulher com Prêmio Nobel de Literatura (Gabriela Mistral) antes de garantir o direito ao voto feminino.
Acesse o PDF: Mulheres comandam Chile, mas têm poucos avanços na política (EXAME.com, 08/01/2013)