(Correio Braziliense) Desde 1980, temos duas pesquisas domiciliares que permitem o acompanhamento do mercado de trabalho, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e a Pesquisa Mensal de Emprego (PME). A PME é realizada mensalmente nas seis maiores regiões metropolitanas do Brasil, e a Pnad é anual, com informações coletadas no início do segundo semestre em todo o Brasil.
Além dessas diferenças de cobertura e periodicidade, o conjunto de informações levantadas pela PME é menor e centrado no mercado de trabalho, enquanto a Pnad possui informações mais detalhadas e aborda outros temas, como migração, fecundidade, escolaridade e rendas que não provêm do trabalho, além de ter suplementos com temas que variaram ao longo dos anos, como saúde ou mobilidade social.
Os resultados da PME e da Pnad têm orientado ações governamentais e não governamentais desde a década de 1980. A nossa representação do país é profundamente influenciada pelo que aprendemos delas. Debates sobre o desemprego, a informalidade, a pobreza, a educação, o aumento e depois a queda da desigualdade foram informados pelos seus números. As histórias da Pnad e da PME confundem-se com a história das políticas para o desenvolvimento social do Brasil.
Embora a qualidade dessas pesquisas seja reconhecida por pesquisadores do Brasil e do exterior — poucos países têm pesquisas domiciliares comparáveis e regulares cobrindo mais de duas décadas —, ambas foram desenhadas segundo os cânones das décadas de 1960 e 1970. De lá para cá, houve grandes avanços na forma de desenhar e realizar pesquisas, impulsionados pela evolução da estatística e das ciências sociais e também pelo surgimento de novas necessidades de informação para as políticas públicas. Temos, hoje, muitas perguntas cujas respostas não podem ser obtidas a partir da Pnad e da PME.
Neste ano, o IBGE finaliza a transição para um novo modelo de coleta de informações, o Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares, cujo principal produto é a fusão da PME e da Pnad em uma nova, e melhor, pesquisa domiciliar, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC). O IBGE passou quase uma década discutindo a nova pesquisa e suas modificações com os usuários, testando e aprimorando seus questionários e outros aspectos da coleta de dados.
A mudança da PME-Pnad para a PNADC não é meramente cosmética. Com ela, teremos indicadores trimestrais para o Brasil inteiro, não só de mercado de trabalho, mas também de outros aspectos da realidade social. Além disso, a amostra dessa pesquisa representará melhor o Brasil das pequenas e médias cidades. Contudo, a mudança mais radical e relevante para as políticas públicas, longamente aguardada pelos pesquisadores, é o desenho em painel da nova amostra. As mesmas pessoas são entrevistadas várias vezes, o que permite melhores avaliações do impacto das políticas públicas.
Coroando o processo, em 17 de janeiro o IBGE divulgou os primeiros resultados da PNADC sobre mercado de trabalho. Não são comparáveis com os da PME e da Pnad, aos quais estamos acostumados, por conta das diferenças amostrais, mas também por mudanças substantivas nos conceitos que definem a coleta dos dados de trabalho. Tais mudanças foram feitas com o intuito de adequar as pesquisas brasileiras às novas orientações da Organização Internacional do Trabalho para a produção de estatísticas comparáveis entre países.
No entanto, não há dúvida de que o público leigo tenderá a comparar os números, provavelmente distintos, da PNADC com os das pesquisas substituídas. Espera-se, por exemplo, que a porcentagem de desempregados seja “maior” do que as estimativas mensais atuais, pois a PNADC representa melhor áreas do país nas quais o desemprego, teoricamente, é maior do que nas regiões metropolitanas da PME.
Todavia, afirmações sobre a queda ou o aumento do emprego, ou do desemprego, só poderão ser feitas a partir da nova PNADC. São tantas as diferenças que seria um erro crasso comparar seus resultados com os da PME ou os da Pnad, mesmo se os recortes geográficos fossem idênticos. Assim, os analistas de mercado de trabalho, a mídia, e os formadores de opinião terão a responsabilidade de esclarecer o público quanto à não comparabilidade dos números.
A mudança para a PNADC exigirá um processo de aprendizado da parte de todos que se interessam pelos retratos estatísticos da sociedade, principalmente dos analistas que usam os dados do IBGE. Para eles, a situação será análoga à de quem compra uma nova câmera e tem que aprender a usá-la para tirar proveito de suas funções. Teremos fotos de melhor resolução e mais frequentes da realidade social, que revelarão detalhes novos. Mas a realidade é a mesma, os números discrepantes são apenas fotos da mesma situação tiradas com máquinas distintas. É claro que vamos ficar com saudades da Pnad e da PME, como nos sentimos nostálgicos ao ver fotos em preto e branco — que bem tiradas nos dizem mais que muitas coloridas. Mas sabemos que é uma mudança para melhor.
* Sergei Soares e Rafael Osório, técnicos de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)