17/02/2014 – Abrigo para mulheres vítimas de violência enfrenta dificuldades em GO

17 de fevereiro, 2014

(G1 Goiás) Fundado há 34 anos, o Centro de Valorização da Mulher Consuelo Nasser (Cevam), em Goiânia, acolhe mulheres, adolescentes e crianças vítimas de violência doméstica, abuso sexual ou abandono. O abrigo é um dos únicos no estado que recebe e dá apoio por tempo indeterminado, já que muitas das mulheres atendidas ficam até que consigam se reestruturar para a vida em sociedade. Apesar do trabalho desenvolvido, a organização não-governamental (ONG) enfrenta dificuldades financeiras e já acumula mais de R$ 800 mil em dívidas.

Atualmente, 58 pessoas estão abrigadas no Cevam, entre mulheres, crianças e adolescentes. Desde novembro do ano passado, a ONG parou de receber adultos. “Isso porque a nossa capacidade está no máximo. Mesmo assim, continuamos acolhendo os menores, que é o caso da menina resgatada com mais de 200 bernes na cabeça”, explicou ao G1 a presidente do Cevam, Maria Cecília Machado.

Segundo ela, há 26 meses, a entidade se mantém apenas com doações. “As nossas dívidas são referentes a ações trabalhistas, gastos com alimentação, transportes e telefonia. Por isso, nossa certidão negativa de débitos está ativa e, enquanto a situação não for regularizada, ficaremos sem receber auxílio do governo”, explicou.

O problema é que, sem verba para deixar a ONG com a documentação em dia, o apoio não chega e é impossível que a entidade pague o que deve. “É um círculo vicioso, pois uma coisa reflete na outra. Mas estamos sempre em busca de parceiros, que comprem a causa do Cevam, para que o trabalho realizado aqui continue assim por muitos anos”, ressaltou Maria Cecília.

Desde a criação da ONG, na década de 1980, o princípio da entidade continua o mesmo. Ajudar a amenizar a dor e os traumas causados pela violência. “Aqui temos um caso pior que o outro. São mulheres que foram agredidas e mutiladas pelos companheiros, crianças vítimas de abusos sexuais, na maioria das vezes cometidos pelos próprios familiares, entre outros. Uma das meninas, que chegou aqui aos 14 anos, e hoje tem 17, tem uma filha que é fruto de um estupro. A conivência da família era tão grande, que ainda não foi comprovado quem de fato é o pai da criança”, ressaltou a presidente.

Além de frequentar a escola, as abrigadas pelo Cevam fazem cursos e recebem apoio psicológico. No local, as crianças podem se divertir em um parquinho e em uma piscina. “Fazemos tudo para amenizar o sofrimento delas”, diz.

Violência
Uma das vítimas abrigadas pelo Cevam é uma garota de 18 anos, que chegou à unidade quando tinha 16. Em entrevista ao G1, ela relatou os abusos sofridos durante três anos dentro da própria casa. O responsável era o padrasto e, segundo ela, havia a conivência da mãe. “Tudo começou quando eu tinha 13 anos. Minha mãe começou a morar com ele e, em pouco tempo, ele propôs que queria manter relações sexuais com nós duas juntas. Minha mãe perguntou se eu aceitava e eu neguei. Porém, no dia seguinte, ela amanheceu com o olho roxo. Com medo de que ele a espancasse ainda mais, acabei cedendo”, contou.

A menina diz que, a partir desse dia, os abusos eram cometidos todas as noites. “Eu morria de medo dele, ele me batia constantemente, só me tratava mal. Mas antes de dormir, eu tinha que passar por tudo aquilo, pois queria minha mãe viva. Ela fazia tudo o que ele queria e eu não tinha alternativas. Aí ele me tirou da escola e me trancou dentro de casa. Eu não podia ver ninguém e vivia isolada do mundo”, lembra a garota.

Ela tem outras duas irmãs, que na época tinham 12 e 14 anos. As duas eram autorizadas pelo homem a estudar e, segundo a garota, tudo mudou, em junho de 2010, quando a menina do meio também começou a ser abusada. “Eu decidi que não dava para aguentar mais. Já bastava eu passar por tudo aquilo e não queria que ela sofresse também. Aí chamei as duas e falei sobre tudo o que estava acontecendo. Elas foram para a escola e contaram para as professoras. No mesmo dia, o Conselho Tutelar resgatou as meninas.”

A garota afirma que, como ela estava presa em casa, a mãe e o padrasto receberam a visita do conselheiro e comunicados que as menores estavam sob a tutela do estado. Eles foram convocados para prestar esclarecimentos no dia seguinte. “Eu estava toda machucada e com muitos roxos na perna. Durante o trajeto, ele ficou me ameaçando, dizendo que eu tinha que mentir. Quando a conselheira veio conversar comigo, eu estava muito nervosa e com medo, mas vi que aquela era a hora de me libertar do pesadelo. Aí contei tudo”, afirma.

Ela lembra que o homem acabou preso e, dias depois, a mãe também. “Ela foi acusada por permitir os abusos. Mas de fato isso acontecia. Só depois que fui resgatada e estava no abrigo tive noção de tudo o que passamos. Já desculpei minha mãe, mas ela sumiu e nunca mais quis saber da gente. A última notícia que tive é de que ela voltou para ele”, ressaltou.

A menina e as duas irmãs foram encaminhadas para a entidade, onde permanecem juntas. Segundo ela, o apoio recebido no local a faz ter forças para seguir em frente. “Voltei a estudar, sei que estou segura e agora posso sonhar com um futuro melhor, graças ao Cevam. Quero me formar em zootecnia, arrumar um emprego e alugar uma casa. Quando tudo estiver bem, vou cuidar das minhas irmãs”, disse a garota.

Segundo ela, o Cevam é mais do que um abrigo. “Sou muito grata por todo o apoio que recebemos aqui. Ainda mais pelo fato de poder estar perto das meninas e por não ter sido obrigada a sair quando completei 18 anos. Esse lugar é muito bom”, concluiu.

Doações
Além de alguns funcionários, o Cevam tem a ajuda de voluntários, que ajudam desde a parte administrativa quanto a operacional, como limpeza e manutenção do espaço. A presidente da entidade diz que todo o tipo de doação é bem-vinda.

“Tudo o que ganhamos é aproveitado. O que não usaremos aqui, colocamos à venda em um bazar permanente. É com esse dinheiro que conseguimos comprar os itens que precisamos, como para higiene, por exemplo, e remédios”, explicou Maria Cecília.

Quem quiser fazer doações em dinheiro, pode entrar em contato pelo telefone (62) 3213-2233 ou acessar o site da entidade. “Temos fé que vamos conseguir reverter a situação difícil que nos encontramos hoje. Muita gente boa tem nos procurado no intuito de ajudar e isso é fundamental para que possamos ajudar essas mulheres e crianças, que sofrem com tantos traumas. Eu trabalho aqui, como voluntária, sete dias por semana, 24 horas. Por isso, ressalto que com pouco podemos fazer muito”, afirma.

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