Fabricantes lançam novos modelos de camisinha feminina

08 de março, 2014

(BBC Brasil) A camisinha feminina fracassou quando foi lançada 20 anos atrás, mas nunca desapareceu do mercado e agora uma nova leva de empresas está tentando preencher esse vazio com novos produtos. Será a retomada desse tipo de preservativo?

Há duas décadas, a americana Mary Ann Leeper lembra-se com certo desconforto das piadas feitas sobre o produto. “Eu acreditava demais na camisinha feminina”, diz ela. “Pensava que as mulheres queriam algo com o qual elas pudessem cuidar de si mesmas. Nós éramos ingênuas – e eu me incluo nesse grupo”.

Naquela época, Leeper era presidente da Chartex, a companhia que fabricava a FC1, a primeira geração de camisinhas femininas feitas de poliuretano.

Antes do lançamento do produto, havia uma atmosfera de curiosidade envolvendo o produto, mas aqueles responsáveis por sua divulgação subestimaram a reação dos consumidores americanos e europeus.

Leeper nunca se esqueceu de um artigo negativo publicado na ocasião por uma influente revista feminina dos Estados Unidos.

“O artigo ganhou grandes proporções”, conta ela. “Foi um choque para mim, para dizer a verdade. Por que fazer piada sobre um produto que ajudaria as mulheres a cuidar de sua saúde, que as protegeria de doenças sexualmente transmissíveis e evitaria gravidezes indesejadas?”, questiona.

O formato do FC1, no entanto, não recebeu boa acolhida das mulheres, seu público-alvo. Além disso, eram constantes as críticas de que o preservativo fazia muito barulho durante o sexo.

A sucessora da Chartex, a Female Health Company, pensou em cessar a fabricação do produto, mas, em vez disso, lançou uma campanha para educar consumidores sobre a camisinha feminina.

Então, num dia de 1995, Leeper recebeu um telefonema de uma mulher chamada Daisy, então responsável pelo programa de prevenção a HIV/Aids do Zimbábue.

“Ela disse: Eu tenho uma petição aqui na minha mesa assinada por 30 mil mulheres pedindo para importamos o preservativo feminino”, recorda Leeper.

Era o início de uma série de parcerias que levou a camisinha feminina a diferentes regiões do mundo em desenvolvimento.
A sucessora da FC1, a FC2 – feita de borracha nitrílica – teve maior sucesso no Ocidente.

Atualmente, o produto está disponível em 138 países. As vendas mais do que dobraram desde 2007, e a Female Health Company registrou o primeiro lucro em oito anos.

A vasta maioria das vendas se destina a quatro clientes – a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, na sigla em inglês), a ONU, o Brasil e a África do Sul.

Tanto organizações humanitárias quanto autoridades de saúde pública sustentam que o preservativo dá maior autonomia à mulher durante a relação sexual.

Vantagens
As camisinhas femininas também têm suas vantagens. Elas podem ser colocadas antes do sexo e não precisam ser removidas imediatamente ao fim da relação.

Para mulheres, esse tipo de preservativo também oferece melhor proteção a doenças sexualmente transmissíveis, uma vez que a vulva é parcialmente coberta pelo anel externo da camisinha.

A reação dos consumidores também se mostrou mais positiva.

Uma pesquisa feita em 2011 mostrou que 86% das mulheres afirmaram estar interessadas em usar o preservativo novamente e 95% disseram que o recomendariam a suas amigas.

“Muitas pessoas dizem que as camisinhas femininas aumentam o prazer sexual”, diz Saskia Husken, da Programa Conjunto de Acesso Universal à Camisinha Feminina (UAFC, na sigla em inglês).

Para os homens, há relatos de que o produto apertaria menos o pênis. Já para as mulheres, o anel externo – que permanece do lado de fora da vagina – seria estimulante.

Na África, a distribuição gratuita das camisinhas femininas em postos de saúde criou uma tendência de moda inesperada.

Muitas mulheres removeram o anel flexível do preservativo e passaram a usá-lo como pulseira. “Se você está solteira, você usa a pulseira”, brinca Marion Stevens, da Wish Associates.

“Se você estiver, por outro lado, num relacionamento sério, a sua pulseira terá uma aparência mais velha”, acrescenta ela.

Meyiwa Ede, da Sociedade da Saúde da Família na Nigéria, afirma que, enquanto os homens ficam mais empolgados com a possibilidade de fazer sexo sem usar “uma camisinha tradicional”, as mulheres ainda se mostram receosas de usar o produto.

“Elas olham para a camisinha feminina e dizem: Tudo bem, mas eu realmente terei de colocar isso dentro de mim?”, diz ela.

A equipe liderada por Ede usa um manequim para mostrar como a camisinha feminina deve ser colocada. Ela compara a tarefa a usar um novo telefone – no início, parece impossível, mas, com o tempo, a usuária se acostuma.

Nos países desenvolvidos, há, no entanto, um estigma ainda a ser superado.

“Eu acho que o problema começa pela embalagem – as camisinhas femininas não vem enroladas como as masculinas em pacotes tão pequenos”, diz Mags Beksinka, da Universidade de Witwatersrand na África do Sul. “Na verdade, ambos os preservativos são do mesmo tamanho. Se você medi-los lado a lado, não são tão diferentes entre si”, explica.

Novos modelos

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De cima para baixo, em sentido horário: Woman’s Condom; Cupido; VA Wow

Beksinska é autora de uma pesquisa recentemente publicada pela revista científica Lancet sobre três modelos de camisinha feminina:

A Woman’s Condom já se encontra disponível na China e chegará em breve à África do Sul, fruto de um projeto de 17 anos da ONG Path – especializada em inovação da saúde. Esse preservativo já foi testado em 50 diferentes versões. Fora da embalagem, é menor do que a FC2. Parece um tampão íntimo, com grande parte da camisinha reunida em cápsula de um tipo de polímero arredonda que, em contato com a mucosa vaginal, se dissolve. A partir desse momento, a camisinha se expande e pequenas espumas ajudam a mantê-la no lugar certo para a relação sexual.

Já o “Cupido” está disponível na Índia, África do Sul e Brasil (por meio da distribuidora Prudence). Tem essência de baunilha e vem nas cores transparente e rosa. Trata-se de único modelo, fora a FC2, da Female Health Company, a ter ganhado o aval da Organização Mundial da Saúde (OMS) para ser vendido para o setor público. Uma versão menor voltada para o mercado asiático já está em fase de testes.

Por fim, a VA Wow, como o Cupido, contém uma esponja que ajuda as usuárias a inserir a camisinha dentro da vagina e evitar que ela escorregue durante o sexo.

O estudo, que mostrou que todos os três tipos não são menos confiáveis do que a FC2, aumentam as chances de que a camisinha feminina ganhe maior aceitação mundial.

Outros formatos radicalmente redesenhados de preservativos femininos deverão chegar aos postos de saúde e às prateleiras das farmácias em breve.

O Air Condom, à venda na Colômbia, vem com uma pequena bolsa de ar para ajudar a colocação na vagina.

A Panty Condom, feita pelo mesmo fabricante colombiano, a Innova Quality, vem embalada junto de uma calcinha que ajuda a manter a camisinha no lugar certo. O produto, no entanto, ainda não possui um distribuidor.

Absorvente íntimo

Enquanto isso, a camisinha feminina conhecida como Origami deve ser lançada no mercado americano daqui a um ano.

Seu inventor, Danny Resnic, que começou a trabalhar no setor depois de contrair HIV por causa de uma camisinha furada em 1993, levou em conta as inúmeras piadas feitas com a FC1 ao desenvolver seu produto.

“Há uma razão para a qual a camisinha feminina parece uma bolsa de plástico – porque ela é, no fim das contas, uma bolsa de plástico”, diz ele.

O seu preservativo, por outro lado, é ovalado, o que, segundo ele, espelha a anatomia do aparelho genital feminino. O produto será vendido como uma cápsula em forma de teta e uma vez inserido no interior da vagina se expande como “o fole de uma sanfona”. O anel externo da camisinha é desenhado para se acomodar sobre os grandes lábios, em vez de permanecer solto como em modelos antigos.

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Preservativo feminino da Origami tem formato oval e se adequa à anatomia da vagina

“É um produto íntimo e uma experiência compartilhada por duas pessoas”, diz ele. “As camisinhas femininas têm de ser atrativas tanto para o homem quanto para a mulher”.

A camisinha Origami é feita de silicone, o que, segundo Resnic, permite o seu reuso, uma vez que pode ser lavada em água corrente.

Segundo Husken, da UAFC, para que nova geração das camisinhas femininas obtenha sucesso, é preciso que os casais tenham diferentes alternativas a seu dispor.

“É preciso haver variedade”, diz Husken. “Algumas mulheres preferem um produto e outras outro produto, tal como homens. Nós não somos iguais”, explica ela.

Um estudo publicado em 2010 revela com precisão essa necessidade. Pesquisadores pediram que 170 mulheres sul-africanas testassem três diferentes tipos de camisinhas femininas cinco vezes. Depois de nove semanas, elas podiam interromper a pesquisa ou continuá-la, usando o preservativo feminino de sua preferência. Cerca de 90% delas decidiram seguir em frente e, nesse momento, praticamente todas elas já tinham escolhido a que melhor lhes convinha (44% escolheram a woman’s condom, enquanto 37% optou pela FC2 e o restante, 19%, preferiu a VA Now).

O fato de que 20 anos se passaram e a camisinha feminina não alcançou o sucesso da masculina – atualmente, corresponde a apenas 0,19% das compras globais de preservativos por governos, além de custar dez vezes mais – não mina a confiança desses empreendedores.

Leeper explica por que ela sabia desde o princípio que o caminho rumo ao sucesso da camisinha feminina ia ser difícil – e longo.

Muitos anos depois do lançamento desastroso da FC1, um executivo da Tampax, que fabrica absorventes internos, veio falar com ela. Nessa conversa, Leeper ouviu de seu colega que as mulheres demoraram anos para aceitar os tampões íntimos como um mecanismo eficiente durante a menstrução.

“Ele me mostrou a curva de aceitação do produto”, lembra Leeper.

“Eu disse então: Não me fale que nós vamos ter de esperar todo esse tempo? Não sei se viverei para ver isso!”.

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