(O Globo, 16/04/2014) Um dos primeiros estados do Brasil a estender aos companheiros gays e lésbicas de servidores estaduais os direitos sobre pensão e previdência reservados aos héteros, o Rio de Janeiro está no meio de um impasse que deixa desprotegidas as minorias sexuais. Tramita há sete meses na Assembleia Legislativa, sob forte oposição da bancada religiosa, um projeto de lei estadual para punir estabelecimentos públicos e privados que discriminarem pessoas em função de sua orientação sexual.
Apresentado ano passado pelo então governador Sérgio Cabral, o PL 2054/2013 quer substituir a lei 3.406, de autoria de Carlos Minc, que vigorou de 2000 a 2012 e foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça numa ação patrocinada por grupos ultraconservadores. A decisão se ateve a um tecnicismo: como a lei previa punições a servidores públicos em caso de manifestações de homofobia, ela deveria ter partido do Executivo.
Os defensores da proposta atualmente em tramitação na Assembleia argumentam que a aprovação de uma lei estadual é fundamental para reforçar o combate à discriminação nos 92 municípios fluminenses. Entre as alegações está o fato de não existir ainda uma legislação de maior abrangência, em âmbito federal, que puna a discriminação contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros. O texto do projeto apresentado na Alerj prevê advertência e multas, que vão de 50 Ufirs (R$ 127) a 50 mil Ufirs (R$ 127 mil), a estabelecimentos que barrarem ou constrangerem em função de orientação sexual, além de cassação de alvará, em caso de reincidência.
Mudança para agradar a evangélicos
Depois de passar pelas comissões e de receber nada menos que 117 emendas ainda no ano passado, o projeto ganhou um defensor de peso: o próprio deputado Minc (PT-RJ), autor da lei original invalidada. Ele critica o pesado lobby religioso no Legislativo estadual e já cogita até fazer concessões, incluindo no texto punições para discriminação religiosa ou étnica.
— Quando a lei original foi derrubada pela Justiça, o argumento era de que, como definia punições também para o funcionário público que discriminasse, a iniciativa tinha que ser do Executivo. Por isso o ex-governador Sérgio Cabral reapresentou o texto. Agora, no entanto, o problema é político. Há muitos deputados evangélicos que não querem a aprovação — critica.
Para Júlio Moreira, presidente do Grupo Arco-Íris, que milita pelos direitos civis de minorias sexuais, a expectativa é grande pela aprovação da proposta. Ele crê que o projeto faz justiça à antiga lei suspensa, uma das primeiras aprovadas no país, de caráter “educativo e de cidadania”.
— A proposta em tramitação agora mostra que é preciso acolher a todos, em qualquer espaço público. Ela não leva em conta um viés econômico, que trata de poder de consumo, mas aborda a questão da cidadania, educando mais do que punindo — pondera o ativista, que diz, no entanto, estar temeroso: — Neste momento de pré-eleição, acho muito difícil que o projeto seja aprovado, uma vez que existe um forte cenário de barganha política. Como é um tema delicado, não deve passar neste momento.
O coordenador do programa estadual Rio Sem Homofobia, Cláudio Nascimento, discorda: ele afirma crer que há chances de o projeto ser aprovado na Casa. Nascimento admite existirem fortes obstáculos em função do alto número de emendas apresentadas, que acabaram atrasando a tramitação. No entanto, o ativista observa que os acréscimos e as modificações e não partiram de um número muito amplo de parlamentares.
— Tudo é possível, mas estou confiante. É fundamental a aprovação da nova lei. Hoje, para se ter ideia, 40% das denúncias que chegam para nós no Rio Sem Homofobia são de discriminação por orientação sexual. Contamos com a sensibilidade da Assembleia. Não estamos inventando nada, a lei existiu por 12 anos — lembra.
‘Eu voto contra’, diz opositora da ideia
Se depender de uma ala considerável da Alerj, no entanto, os obstáculos serão mesmo grandes. A própria vice-presidente da Comissão de Combate à Discriminação e Preconceitos de Raça, Cor, Etnia, Religião e Procedência Nacional, Rosângela Gomes (PRB), defende a derrubada da matéria. Ela chegou a participar, no final do mês passado, de uma reunião na Alerj que discutiu o projeto, a convite do deputado Carlos Minc, presidente da mesma comissão, mas se retirou logo no início do encontro. A parlamentar alega que, apesar de ser contra qualquer tipo de discriminação — “a índios, negros, mulheres ou pessoas pela sua orientação sexual” —, sua formação conservadora não lhe permite apoiar a iniciativa:
— A gente tem que respeitar a posição dos proprietários de estabelecimentos comerciais, que não são obrigados a receber dois homens se beijando. Eu voto contra. Que eu saiba ainda não existe o terceiro sexo. Não tenho nada contra a pessoa, mas a minha visão conservadora é essa.
Quem faz coro é o deputado Flávio Bolsonaro (PP), filho de Jair Bolsonaro, um dos mais conhecidos representantes do ultraconservadorismo na Câmara dos Deputados, em Brasília. Segundo ele, não há diferença entre discriminar um gay ou um hétero num estabelecimento aberto ao público, como um restaurante. Para o deputado estadual, o que os militantes querem é levantar uma bandeira ideológica e política:
— Não é uma bandeira social, é palanque político. Os militantes ficam querendo justificar seus salários bancados pelas ONGs que vivem disso (defender os homossexuais). A pessoa que agride tem que ser responsabilizada independentemente da sexualidade de quem é agredido.
Índia: Suprema Corte reconhece transexuais como terceiro gênero
Suprema Corte da Índia reconheceu, nesta terça-feira, a existência de um terceiro gênero, que não é masculino nem feminino, em uma decisão que permitirá que milhares de pessoas transgênero e eunucos tenham seus direitos reconhecidos. “O reconhecimento dos transgênero como terceiro gênero não é uma questão social ou médica, mas de direitos humanos”, declarou o juiz K.S. Radhakrishnan ao emitir sua decisão.
O tribunal encarregou os governos estatais e federal de identificar os transgênero como um terceiro gênero neutro, que deve ter garantido o acesso aos mesmos programas sociais que outros grupos minoritários na Índia. “Os transgênero são cidadãos deste país e têm direito à educação e a todos os outros direitos”, declarou Radhakrishnan. As pessoas transgênero e os eunucos vivem à margem da sociedade indiana, tradicionalmente conservadora, e com frequência são obrigados a recorrer à prostituição, à mendicância e ou a empregos muito precários para sobreviver.
Na Índia, grande parte deles forma a comunidade dos “hijras”, que são encarados com uma mistura de temor e respeito. O recurso à Suprema Corte havia sido apresentado em 2012 por um grupo de pessoas, entre elas o conhecido eunuco e ativista Laxmi Narayan Tripathi, para exigir direitos igualitários para a população transgênero aos olhos da lei. Tripathi acolheu com satisfação a decisão, e lembrou que os transgênero sofrem discriminação no país, tradicionalmente conservador.
– Hoje, pela primeira vez, me sinto muito orgulhoso de ser indiano – declarou Tripathi aos jornalistas reunidos em frente ao tribunal em Nova Délhi.
O reconhecimento de um terceiro gênero é raro no mundo. Antes da Índia, a Alta Corte da Austrália também decidiu, no início de abril, que uma pessoa pode ser reconhecida pelo Estado como pertencente a um “gênero neutro”. Já Alemanha e Nepal autorizam seus cidadãos a escrever um X no campo “sexo” do passaporte.
Malta: 22º país europeu a autorizar união civil de casais homoafetivos
A república de Malta adotou nesta segunda-feira uma lei que permite as uniões civis e a adoção de crianças por casais homossexuais. A lei foi aprovada no Parlamento maltês com 37 votos a favor e nenhum contra. Os 30 membros da oposição se abstiveram da votação.
O líder da oposição, Simon Busuttil, justificou a atuação de seus correligionários afirmando que seu partido não se posicionou contra o casamento gay, mas mantém reservas quanto a adoção por parte dos casais homossexuais. Anteriormente, homossexuais solteiros já podiam adotar crianças, mas a nova legislação estende esse direito aos casais.
O bispo Charles Scicluna, com passagem pelo Vaticano durante o papado de Bento XVI, afirmou que embora a lei tenha argumentos válidos, ela não atende aos principais interesses das crianças.
A notícia foi celebrada por cerca de mil manifestantes reunidos na Praça de São Jorge, no centro de Valeta, capital da ilha mediterrânea, que tem o catolicismo como religião oficial, e legalizou o divórcio há pouco mais de dois anos.
Com a nova lei, Malta se torna o 22º Estado europeu a reconhecer as uniões entre pessoas do mesmo sexo, e o 10º a permitir a adoção por parte de casais homossexuais.
Grã-Bretanha: primeira união homossexual de sacerdote anglicano
Um sacerdote foi o primeiro na Grã-Bretanha a desafiar a proibição da Igreja Anglicana de que membros do clero optem pela união homossexual. Canon Jeremy Pemberton, 58, um capelão divorciado que atua em hospitais, casou-se com Laurence Cunnington, 51, parceiro de longa data, na tarde do último sábado.
A notícia serviu para que ativistas da causa gay no país definissem com uma grande vitória o fato de o casal ter se aproveitado de leis a favor da união homoafetiva recém introduzidas no país, apontou o jornal britânico “The Telegraph”. Eles também convocaram bispos anglicanos a abençoarem o casamento e apontaram que este foi o primeiro de muitos casos de clérigos que optarão pela união.
No entanto, um dos principais membros da ala evangélica conservadora da Igreja, chamado de “Disciplina”, interpretou o casamento como uma violação de regras e alertou para uma possível crise, caso as lideranças religiosas não tomem alguma medida punitiva.
Jeremy Pemberton, que tem cinco filhos, é um capelão que atua no Hospital Lincoln e também dá expediente na Igreja de Southwell – que pertence à Diocese de Nottingham. Em 2012, ele foi um dos signatários de uma carta enviada ao jornal “The Telegraph, assinada por dezenas de clérigos, que alertava que, caso a Igreja permanecesse se recusando a permitir casamentos de homossexuais, o grupo iria aconselhar membros de suas congregações a se casarem em outros lugares.
No início deste ano uma, grande polêmica eclodiu no seio da Igreja, após a Câmara dos Bispos decidir proibir clérigos homossexuais a se casarem, mesmo após a legalização da união homoafetiva, no mês passado.
A decisão significou que quem desafiasse a proibição, poderia enfrentar medidas disciplinares longas – algo que foi bem recebido pelos tradicionalistas, mas enfureceu liberais e defensores dos direitos dos homossexuais.
Apesar de a Igreja Anglicana se opôr formalmente à introdução do casamento gay, tem havido cada vez mais sinais crescentes de uma postura mais relaxada sobre a homossexualidade. Segundo o “The Telegraph”, bispos concordaram que casais gays que se unirem poderão pedir orações especiais após as cerimônias.
No entanto, na noite de sábado, o Reverendo Rod Thomas, presidente do grupo evangélico “Reform”, disse que a pressão em exercida sobre alguns setores da Igreja para que se mude a mentalidade sobre a sexualidade é forte, e alertou que é preciso haver disciplina a respeito do assunto. Caso contrário, uma grande crise pode surgir.
– Os tradicionalistas que prezam pelo entendimento bíblico de que a Igreja não seria capaz de aceitar um compromisso homossexual podem favorecer o encaminhamento de uma situação semelhante acontecida nos Estados Unidos, onde a Igreja dissidente tradicionalista surgiu a partir da liberal Igreja Episcopal – opinou.
Em contrapartida, o Reverendo Colin Coward, um amigo de Jeremy Pemberton e diretor do grupo “Mudança e Atidude” apontou estar muito feliz pela união.
– Espero que os bispos encontrar uma maneira de afirmar e abençoar o relacionamento, em vez de tomar medidas contra eles – disse ao The Telegraph.
Turquia: governo separa presos gays e recebe críticas de ativistas
Ativistas da causa homossexual turcos reagiram com indignação a uma medida do governo que determinou a separação de presos que sejam transexuais, lésbicas e gays para a proteção do assédio e de ataques enquanto eles estão na cadeia.
O ministro da Justiça Bekir Bozdag anunciou que a medida tem o objetivo de “proteger os condenados assumidamente homossexuais”, em uma resposta por escrito a uma pergunta feita por um parlamentar da oposição.
O cenário político no país tem, nos últimos meses, se tornado cada vez mais polarizado entre a oposição e o governo, de raízes islâmicas. O AK – partido do primeiro-ministro Tayyip Erdogan – tem sido acusado de empurrar uma agenda mais conservadora em uma série de questões.
– Estão em andamento projetos para a construção de presídios separados para os presos com orientações sexuais diferentes – disse o ministro na resposta dada ao parlamentar.
A afirmação foi dada no dia 3 de Abril, mas a questão só provocou amplo debate nesta semana, após o deputado que fez a pergunta expressar sua preocupações sobre a decisão. Muitas críticas foram direcionadas ao governo nas mídias sociais – apesar de uma pesquisa com 10 mil pessoas realizada pelo tradicional jornal “Hurriyet” descobrir que 52% dos entrevistados apoiaram a proposta.
A homossexualidade não é ilegal na Turquia, embora permaneça como um forte tabu. A legislação recente, que tem a meta de combater os chamados “crimes de ódio”, não ofereceu nenhuma proteção específica para pessoas que enfrentam a discriminação com base em sua sexualidade, de acordo com o “Kaos GL”, um grupo de direitos focado em questões de orientação sexual.
O porta-voz do grupo, Murat Koylu, disse que muitos gays, lésbicas, bissexuais ou transexuais prisioneiros já foram colocados em confinamento solitário por funcionários das prisões.
Enquanto isso, a homofobia continua generalizada na Turquia, com quase nove em cada 10 pessoas dizendo que não gostariam de ter vizinhos homossexuais, de acordo com a pesquisa “World Values Survey”, realizada em 2013.
Segregação na prisão com base na sexualidade não é comum em termos internacionais, embora, em 2010, a Itália tenha aberto um presídio específicos para acolher presos transexuais.
Acesse o PDF: Lei anti-homofobia empaca na Alerj (O Globo, 16/04/2014)