(Folha de S.Paulo, 27/04/2014) A cerimônia no cartório de Itaquera, na zona leste de São Paulo, reuniu dez pessoas numa manhã de sexta-feira. Os pais de um dos noivos foram padrinhos, e a juíza fez um breve discurso sobre os compromissos da vida a dois.
Tudo muito singelo a não ser pela noite de núpcias, que durou três dias. “Viramos a noite na The Week [boate na zona oeste] e emendamos uma balada na outra para comemorar. Só voltamos na segunda-feira”, diz Tiago de Oliveira, 27, que adotou o sobrenome do marido, Renan, 33.
Retrato incomum na periferia, o casal representa um dos 20 matrimônios gays registrados em Itaquera desde março do ano passado, quando entrou em vigor regra que obriga cartórios paulistas a aceitarem casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
O número equivale à metade dos casamentos gays registrados em cartórios da área nobre da cidade, como Cerqueira César (41) e Bela Vista (38), segundo levantamento feito pela Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado).
Em um ano de vigência da regra, foram registrados 701 casamentos gays na cidade, média de dois por dia.
No fim do ranking, distritos como Brás e Casa Verde tiveram apenas um matrimônio homossexual. O único cartório que não registrou nenhuma união desse tipo foi o Bom Retiro, a 5 km da região da avenida Paulista, a mais casamenteira da cidade.
Para Tiago e Renan, a vida de casado não alterou a rotina. Os dois vivem com os pais, a irmã, o sobrinho e o cachorro de Renan em um apartamento de 50 metros quadrados na Cohab de Itaquera e continuam “saindo para a night” juntos.
“Já olharam torto, mas nunca nos ofenderam por sermos um casal. Somos mais do que isso, somos uma família”, afirma Renan.
Os dois dizem que a união oficial inspirou outros seis amigos a planejarem as bodas. “O receio em se casar para um gay é o mesmo que para um hétero: encarar a rotina, ser fiel. Mostramos que pode dar certo”, diz Tiago.
O próximo passo para o casal Oliveira é encontrar uma casa só para si. “Queremos morar entre Itaquera e o centro, perto do trabalho dos dois e com espaço para criar um filho”, planeja Tiago.
HISTÓRICO
Antes de 2013, não havia tratamento padronizado no Judiciário em relação ao casamento gay.
Para acabar com o problema, o Tribunal de Justiça de SP editou norma que obriga os cartórios paulistas a acolherem o matrimônio.
“Outros Estados também editaram normas. O CNJ [Conselho Nacional de Justiça], então, fez norma para sair dessa situação complicada, em que um Estado fazia casamento gay, e outro, não”, diz Adriana Galvão Moura, presidente da comissão da diversidade sexual da OAB-SP.
“Na prática, porém, ainda há resistências, às vezes até do escrevente, que não encaminha os papéis ao juiz”, diz Lula Ramires, coordenador da ONG Corsa, de defesa dos direitos das pessoas LGBT.
Também há oposições à medida no Legislativo. Membro da bancada evangélica, o deputado federal Arolde de Oliveira (PSD-RJ) fez proposta à Câmara para derrubar a norma do CNJ, a qual considera inconstitucional.
Acesse o PDF: De Itaquera aos Jardins, São Paulo tem duas uniões gays por dia (Folha de S.Paulo, 27/04/2014)