(Última Instância, 15/06/2014) Com um índice três vezes maior que o recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil é um dos campeões mundiais em realização de cesarianas. Embora a este tipo de intervenção cirúrgica não seja recomendado, devido aos riscos que traz à saúde das mães e dos bebês, o país tem feito muito pouco para incentivar o parto natural e nem o Judiciário tem contribuído para reverter o quadro. Afinal, uma Ação Civil Pública que pede uma maior adequação dos partos aos padrões internacionais está parada há quatro anos na Justiça Federal.
Proposta pelo MPF (Ministério Público Federal) em 2010, a Ação Civil tem o objetivo de conscientizar a população para as vantagens dos partos naturais e pressionar as instituições de saúde para reduzirem as taxas de cesariana. Desde agosto de 2013, a ação está pronta para ser julgada e, atualmente, aguarda veredicto do juiz Victorio Giuzio Neto (titular da 24.ª Vara Federal, em São Paulo).
Para o MPF, o culpado por esse excesso é o caráter econômico das ‘indústrias de cesáreas’: “as altas taxas de cesarianas existentes no setor de saúde suplementar devem-se ao fato de que os médicos que recebem remuneração dos planos de saúde para a realização dos partos recebem a mesma quantia seja para o parto natural ou pela cesariana”, diz a ação.
O processo do parto natural é bem mais demorado e ocorre em dia e hora incertos, gerando mais inconvenientes aos obstetras. Por essa razão, a ação pede uma remuneração dos honorários médicos para partos normais sejam proporcionais e significativamente superiores à cesariana.
O impasse jurídico da ação está justamente na competência pela regulamentação dos pagamentos.
Nos autos, o MPF cobra a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Esta, por sua vez, procurada pela reportagem de Última Instância, afirma em nota que não cabe a ela definir valor de pagamento algum a qualquer categoria profissional.
Deborah Delage, participante da rede Parto do Princípio defende que a questão econômica abordada pelo MPF é secundária. “O que realmente estimula os médicos a preferirem a cesárea é a questão da comodidade. Alterações nas remunerações não serão suficientes para conter o problema. Os países que adotaram essa postura também não obtiveram êxito”, afirma a ativista.
Mas a fundadora do site Doulas do Brasil e diretora do Gama (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa), a obstetra Ana Cristina Duarte, concorda com o posicionamento do MPF. “A questão é puramente financeira. O aumento das cesarianas não passa de uma jogada industrial que afeta médicos, mães e bebês.”
Para Ana Cristina, a ação do MPF nada mais é do que um alerta, uma forma de pressionar as instituições responsáveis enquanto o governo não toma nenhum tipo de posicionamento. “A atuação das instituições é basicamente passar a responsabilidade: a ANS transmite para a AMB [Associação Médica Brasileira] que transmite para outra instituição e ninguém faz mais nada”, resume a obstetra.
O MPF também acredita que obrigar os planos de saúde a publicar os percentuais de cesáreas e partos normais efetuados por médicos e hospitais pode motivá-los a reduzir as taxas de partos cirúrgicos. A argumentação legal para o pedido é que o direito à informação adequada é previsto em lei.
Em resposta, a ANS afirma que “o percentual de cesáreas e partos normais já é item de avaliação de desempenho das operadoras, pelo IDSS (Índice de Desempenho de Saúde Suplementar). Ou seja, consta na ‘nota’ das operadoras, que é divulgada pela Agência Nacional de Saúde”. O indicador de proporção de parto cesáreo mostra o percentual desse tipo de operação realizada nas consumidoras de planos de saúde e permite estimar a ocorrência de cesarianas em relação ao total de partos em uma determinada operadora no período considerado.
Diante das alegações da ANS, o MPF diz em nota que o órgão vem sendo omisso “em seu dever de regulamentar essa questão (das crescentes taxas de cesáreas), adotando ações educativas que são importantes, mas que estão longe de provocar mudanças efetivas no comportamento da sociedade”.
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