(Brasil Post, 27/06/2014) Se você é homem, você faz parte da cultura do estupro. Eu sei… Isso parece meio radical. Isso não significa que você seja necessariamente um estuprador. Mas você perpetua as atitudes e comportamentos que fazem parte do que hoje é conhecida como a cultura do estupro.
Você pode estar pensando, “Espere aí, Zaron! Você não me conhece cara! Não vou aceitar que você diga que eu sou algum tipo de fã do estupro. Eu não sou assim, cara!”
Eu sei exatamente como você se sente. Essa foi basicamente a minha reação quando alguém me disse que eu fazia parte da cultura do estupro. Parece uma coisa terrível. Mas, imagine só viver sempre temendo ser estuprada. Isso é pior ainda! A cultura do estupro é péssima para todos envolvidos nela. Mas não se prenda à terminologia. Não se concentre nas palavras que lhe ofendem a ponto de ignorar o problema para qual elas apontam – as palavras “cultura do estupro” não são o problema. A realidade que elas descrevem é o problema.
Os homens são os agentes primários e principais mantenedores da cultura do estupro.
O estupro não é praticado exclusivamente por homens. As mulheres não são as únicas vítimas – homens estupram homens, mulheres estupram homens – mas o que faz do estupro um problema dos homens, nosso problema, é o fato de que os homens cometem 99% dos estupros registrados.
Então, como é que você faz parte da cultura do estupro? Bem, sinto em dizer, é porque você é homem.
Quando eu atravesso um estacionamento à noite e vejo uma mulher na minha frente, faço o que eu sinto que seja apropriado para que ela saiba que estou perto para que: a) eu não a assuste, b) ela tenha tempo de sentir-se segura/à vontade e c) se possível, eu possa abordá-la de uma maneira que é claramente amigável, para que ela saiba que eu não sou uma ameaça. Eu faço isso porque sou homem.
Basicamente, eu faço algum contato com cada mulher que encontro na rua, ou no elevador ou numa escadaria ou em qualquer lugar, de forma que ela saiba que está segura. Eu quero que ela sinta-se tão segura como se sentiria se eu não estivesse lá. Eu aceito o fato de que qualquer mulher que eu encontro em público não me conhece, e por isso, ela só enxerga um homem – alguém que de repente está perto dela. Eu preciso considerar o senso de espaço dela e que a minha presença talvez a deixe vulnerável. Esse é o fator chave – vulnerabilidade.
Não sei sobre você, mas eu não passo muito tempo da minha vida me sentindo vulnerável. Eu aprendi que as mulheres passam a maior parte de suas vidas sociais com sentimentos constantes e inevitáveis de vulnerabilidade. Pare e pense sobre isso. Imagine sentir constantemente que você poderia estar correndo algum risco, como se a sua pele fosse de vidro.
Como homens modernos, precisamos buscar o perigo. Escolhemos aventuras e esportes radicais para sentir que estamos correndo perigo. Transformamos nossa vulnerabilidade em um jogo. Isso só mostra como os homens vêem o mundo diferente das mulheres. (Falo isso sabendo, obviamente, que existe uma comunidade dinâmica de atletas radicais que são mulheres e que frequentemente arriscam a própria segurança também. No entanto, as mulheres não precisam participar de esportes radicais para sentirem que correm risco.).
Eu tenho quase dois metros de altura. Eu malho e diria que estou em boa forma física, o que significa que eu raramente temo pela minha segurança quando saio à noite. Muitos homens entendem exatamente o que estou falando. A maioria das mulheres não faz a mínima ideia de como é isso – poder ir onde quiser no mundo, a qualquer hora do dia ou da noite e sentir que você não terá problema. Na verdade, muitas mulheres tem a experiência exatamente oposta.
Uma mulher precisa considerar para onde ela vai, a que horas do dia, que horas ela chegará no seu destino e a que horas ela sairá do seu destino, que dia da semana é, se ela ficará sozinha em algum momento… e as considerações são quase inúmeras, porque elas são bem mais numerosas do que você ou eu podemos imaginar. Sinceramente, eu não consigo consigo imaginar ter que pensar tanto sobre o que preciso fazer para me proteger em qualquer momento da minha vida. Eu valorizo a liberdade que tenho de levantar e sair, dia ou noite, chuva ou sol. Ao centro ou à periferia. Como homens podemos aproveitar esse luxo extremo de nos movimentarmos com liberdade. Para entender a cultura do estupro, lembre que essa é uma liberdade que pelo menos metade da população não aprecia.
É por isso que eu me esforço para usar uma linguagem corporal clara e agir de forma que ajuda a minimizar o temor ou qualquer outro sentimento parecido que a mulher possa ter. Eu recomendo que você faça o mesmo. Isso é, sinceramente, o mínimo que qualquer homem pode fazer em público para deixar as mulheres mais à vontade no mundo que compartilhamos. Bata apenas ter consideração por ela e seu espaço.
Você talvez pense que é injusto termos que reagir e nos adaptarmos pelo mau comportamento de outros homens. Sabe de uma coisa? Você está certo. Isso é culpa das mulheres? Ou é a culpa dos homens que agem de maneira horrível e dão uma péssima reputação a todos os homens. Se as questões de justiça lhe incomodam, pode ficar com raiva dos homens que fazem que você e suas ações pareçam questionáveis.
Pois quando se trata de avaliar um homem, independente do que um homem seja capaz, uma mulher precisa presumir que você é capaz de tudo. Infelizmente, isso significa que todos os homens precisam ser julgados baseado em nosso pior exemplo. Se você acha que esse tipo de estereótipo é besteira, pense: como você trata uma cobra que você encontra na mata?
Você a trata como uma cobra, certo? Bem, isso não é estereotipar, isso é reconhecer que o animal pelo que ele é capaz de fazer e pelo dano que ele pode causar. São simplesmente as regras da selva, cara. Já que você é homem, as mulheres irão lhe tratar como tal.
O medo completamente racional e compreensível que elas têm de homens é responsabilidade sua. Você não a provocou. Mas você também não construiu rodovias. Algumas coisas que herdamos da sociedade são legais e algumas são a cultura do estupro.
Já que nenhuma mulher pode julgar com precisão a você ou às suas intenções só de vista, assumem que você seja como todos os outros homens. Em 73% dos casos, a mulher conhece quem a estuprou. Agora, se ela não pode confiar e corretamente avaliar as intenções dos homens que ela conhece, como você espera que ela algum dia sinta que pode corretamente avaliar as suas intenções, sendo um desconhecido? A prevenção do estupro não tem a ver só com as mulheres ensinando umas as outras como evitar o estupro – tem a ver também com os homens não cometendo o estupro.
A prevenção do estupro tem a ver com o fato de que um homem precisa entender que dizer “não” não significa “sim”. Ao invés de focar em como as mulheres podem evitar o estupro ou como a cultura do estupro faz um homem inocente sentir-se como um suspeito, o nosso foco deve ser: como nós, como homens, podemos evitar que os estupros aconteçam e como nós derrubamos as estruturas que o ignoram e conseguimos mudar as atitudes que a toleram?
Já que você faz parte dela, deveria saber o que é a cultura do estupro.
De acordo com o site do Centro de Mulheres da Marshall University:
A cultura do estupro é um ambiente em que o estupro prevalece e no qual a violência sexual contra mulheres é normal e justificado na mídia e na cultura popular. A cultura do estupro é perpetuada através do uso da linguagem misógina, da visão do corpo da mulher como objeto e da ‘glamourização’ da violência sexual, criando assim uma sociedade que desrespeita a segurança e direitos das mulheres.
Quando uma mulher me disse que eu fazia parte da cultura do estupro pela primeira vez, eu quis discordar por razões óbvias. Como muitos de vocês, quis dizer para ela, “Espera um pouco, eu não sou assim.” Ao invés disso, eu escutei o que ela tinha a dizer. Depois, eu conversei com uma escritora que respeito bastante. Eu pedi que ela escrevesse um artigo junto comigo, onde ela explicaria o que era a cultura do estupro para mim e outros leitores do sexo masculino. Ela parou de responder aos meus emails.
A princípio, fiquei chateado. Mas depois, à medida que ficou claro que ela não ia responder de forma alguma, eu acabei ficando com raiva. Ainda bem que eu já aprendi que não se deve reagir imediatamente quando ficamos irados. Os trovões impressionam mas é a chuva que dá vida. Então eu deixei aquela tempestade passar e pensei naquilo. Fui caminhar. A caminhada parece ser a melhor forma de por ordem nos meus pensamentos.
E foi em frente de um lava-jato de carros, perto da minha casa, que eu finalmente entendi. Se a cultura do estupro é tão importante para mim, eu preciso descobrir o que ela é. Nenhuma mulher tem a obrigação de me explicar algo que eu quero saber e que ela já entende instintivamente. Nenhuma mulher me deve nada. Eu percebei então o quão profundo era o meu desejo de que uma mulher me satisfizesse. Até a minha curiosidade, uma característica da qual sempre me orgulhei, estava manchada pelo mesmo tipo de presunção centrada no homem que acaba alimentando a cultura do estupro. Eu espero que minha vontade seja satisfeita. Essa atitude é o problema. Eu comecei a ler a continuei a ler até que eu conseguisse entender o que é a cultura do estupro e o meu papel nela.
Aqui está uma lista de exemplos da cultura do estupro.
- Culpar a vítima (“Ela estava pedindo que acontecesse”)
- Minimizar agressão sexual (“Isso é coisa de homem!”)
- Piadas sexualmente explícitas
- Tolerância do assédio sexual
- Aumentar as estatísticas de registros falsos de estupros
- Fazer comentários públicos sobre a roupa, estado mental motivos e histórico da vítima
- Violência contra o gênero feminino em filmes e na televisão
- Definir a “masculinidade” como dominante e sexualmente agressiva
- Definir a “feminilidade” como submissa e sexualmente passiva
- Pressionar homens a serem “pegadores”
- Assumir que apenas mulheres promíscuas são estupradas
- Assumir que homens não sofrem estupro ou que só homens “fracos” são estuprados
- Recusar-se a levar acusações de estupro a sério
- Ensinar mulheres a evitar o estupro ao invés de ensinar os homens a não estuprar
Você descobrirá rapidamente que a cultura do estupro tem um papel central em toda a dinâmica social da nossa era. Ela está no cerne de todas as nossas interações pessoais. Ela faz parte de todas as nossas lutas sociais, ambientais e da sociedade em geral. A cultura do estupro não tem a ver apenas com sexo. Ela é um produto da atitude generalizada de supremacia masculina. A violência sexual é uma expressão dessa atitude. Novamente, não deixe que a terminologia lhe assuste. Não se prenda ao termo “supremacia masculina”. O termo não é o problema. O problema é que a cultura do estupro machuca todos envolvidos. Por causa dos conceitos patriarcais antiquados da sociedade, é muito difícil um homem se identificar como sendo vítima de estupro, já que o ideal é que o homem seja visto como poderoso e sexualmente agressivo. Os homens não devem sentir-se ameaçados ou atacados quando as mulheres falam da cultura do estupro – pois elas estão falando do nosso inimigo comum. Nós deveríamos ouvir.
Agora que você já sabe o que é, o que você pode fazer sobre a cultura do estupro?
- Evite usar linguagem que transforma a mulher em objeto
- Diga algo quando ouvir alguém contar uma piada ofensiva ou falar do estupro de maneira comum
- Se uma amiga disser que ela foi estuprada, acredite e a apoie
- Reflita de maneira crítica sobre as mensagens que a mídia transmite sobre mulheres, homens, relacionamentos e violência
- Respeite o espaço físico das pessoas, mesmo em situações casuais
- Sempre mantenha um diálogo com parceiros sexuais e não presuma o consentimento
- Defina a sua própria masculinidade ou feminilidade. Não deixe que estereótipos determinem as suas ações
O que mais você pode fazer sobre a cultura do estupro quando você se depara com ela na vida real?
1. Homens podem confrontar outros homens.
Ninguém está sugerindo violência. Na verdade, é isso que queremos evitar. Mas, as vezes, um homem precisa confrontar outro homem ou um grupo de homens em uma determinada situação. Quando eu estou em um lugar público e vejo um homem importunando uma mulher, eu paro por um minuto. Eu me certifico de que a mulher esteja me vendo. Eu quero que ela saiba que estou percebendo o que está acontecendo. Aí eu espero mais um pouco para que ela me dê um sinal claro se ela precisa de ajuda ou não. As vezes, o casal continua brigando, e me ignoram completamente. Outras vezes, a mulher deixa claro que ela gostaria da minha ajuda e eu me aproximo. Nunca tive de ser violento. Geralmente, só a minha presença faz o cara se afastar se ele for um desconhecido, ou se for conhecido da mulher, ele começa a justificar o comportamento. A dinâmica muda. É por isso que eu sempre paro quando vejo uma mulher nessa situação em público. Por qualquer razão que seja. Eu quero que qualquer mulher enfrentando uma situação potencialmente violenta, que eu posso estar ou não avaliando corretamente com tal, sinta que ela tem a oportunidade de sinalizar para mim se precisa de ajuda. Eu tenho uma irmã mais nova, então essa resposta é praticamente instintiva.
Mas, eu não limito essa prática às mulheres. Eu também já adotei essa prática quando passei por dois homens que estavam obviamente no meio de uma briga de amantes. Sempre que você vê uma situação que está fugindo do controle, e especialmente se alguém está chorando por socorro ou sendo atacado, você deve confrontar a situação. Você não precisa “apartar” a briga. Mas envolva-se, aborde as pessoas, anote informações pertinentes, alerte as autoridades, ligue para a polícia. Faça algo.
2. Homens podem corrigir outros homens.
Se você ouvir um cara falando baixaria preconceituosa na sua frente e não houver ninguém daquele grupo específico sendo atacado por perto, você ainda pode falar alguma coisa. Isso é verdade também quando você escuta termos misóginos. Fale. Diga ao seu amigo ou colega que piadas sobre estupro são ridículas e que você não as tolera.
Pode ficar tranquilo, você não vai ser “menos macho” por conta disso. Se você tem mais de dezenove anos e ainda se preocupa em parecer ser “macho”, você não entende o que é a masculinidade respeitável mesmo. Ela não tem a ver com aprovação quase que fanática de outros — tem a ver com ser “mais você” e fazer a coisa certa. Você pode até se surpreender
com o respeito que muitos homens terão por você por fazer o que eles queriam fazer mas não fizeram.
Eu já ouvi bastante coisa. Eu não sou nenhum policial de justiça social, mas eu já discuti e continuarei a discutir com salas cheias de homens. Depois, alguns caras se aproximam e dizem o quanto eles respeitam o que eu fiz. Eu sempre digo a eles que cada vez que você fala contra a injustiça, fica mais fácil fazê-lo da próxima vez. Posso lhe garantir que isso é verdade.
Ninguém está sugerindo que você ande por aí controlando o que todo o mundo faz. Eu não vivo só para exigir que os outros vivam de acordo com o que acho certo. Ninguém precisa que você dê a sua opinião sobre qualquer coisinha que eles disserem e se aquilo se encaixa nos seus critérios de consciência social. Mas quando algum cara fala merda, e você sabe como é – todos nós ouvimos esse tipo de piada – você pode dizer ao cara que a piada sobre estupro ou o comentário de “essa aí é uma vagabunda” não pegou bem.
3. Homens podem mandar outros homens calarem a boca.
Digamos que você está numa rodinha de homens e um dos seus amigos começa a gritar com uma menina – manda o cara parar de ser babaca. Você não vai ser o chato da turma por intervir. Você também não vai estar dando uma de “salvador da pátria”, a não ser que tente ganhar alguma vantagem com ela por tê-la “defendido”. Você está simplesmente fazendo a coisa certa. Ninguém precisa ouvir merda de um palhaço machista só porque ele está com uma ereção mental. Esse tipo de cantada é o que queima o filme da sexualidade masculina. Esses babacas acabam passando uma péssima imagem de todos nós. Você entende isso, certo? Nós precisamos parar de fazer essas merdas.
Foi trabalhando com construção onde eu aprendi a levantar a minha voz em um grupo de homens. É o que você precisa fazer. Você faz principalmente porque você quer respeitar a si mesmo. Ao contrário, você é apenas um homem ridículo que deixa que um cara maltrate uma mulher na sua presença. Quando um cara “mexe” ou “passa uma cantada” numa mulher e você não fala alguma coisa, ele acabou de tratá-la como um objeto sexual barato, feito apenas para a satisfação dele e ele transformou você no bundão que está disposto a deixar que ele desrespeite uma mulher na sua presença…enquanto você não fala nada.
O que o seu avô pensaria se ele te visse naquele momento? Ele estaria orgulhoso de você? Você sente orgulho de si mesmo? O orgulho masculino vale por alguma coisa – use-o para ser uma pessoa melhor. Não seja aquele cara que fica na dele, quieto, concordando com a galera para se dar bem com a galera. Fale quando alguém mexe com uma mulher na sua frente. Manda o cara calar a boca. Como homem, você tem poder. Use esse poder. Os homens respeitam quem tem convicção.
4. É nossa responsabilidade estabelecer padrões para nós mesmos, e consequentemente, para todos os homens.
Talvez você esteja pensando, “Zaron, pega leve, cara. Passar uma cantada não é grande coisa. Será que você não está fazendo tempestade em copo d’água? Tem mulher que gosta.” Você pode estar certo. Talvez algumas mulheres até gostem. Isso não importa. Eu gosto de dirgir em alta velocidade. Meu primo gosta de fumar maconha em público. Nenhum de nós pode fazer o que gosta. A vida é assim mesmo quando você vive em uma sociedade. Se você encontrar uma mulher que gosta de ouvir baixaria, pode falar para ela, só faça entre quatro paredes. Quando estiver em público, respeite o espaço físico e mental dos outros.
Não se limite a ser um homem. Seja uma pessoa íntegra. Seja um ser humano.
Quando acontece algo como o movimento #YesAllWomen no nosso diálogo social e as mulheres do mundo inteiro estão compartilhando as suas experiências, seus traumas, suas histórias e opiniões pessoais, como homens, não precisamos opinar nessa conversa. Nesse momento, tudo que precisamos fazer é ouvir e refletir, e deixar que as palavras delas mudem a nossa perspectiva. A nossa tarefa é perguntar a nós mesmos como podemos melhorar.
Escritor freelancer Zaron Burnett
Acesse o site de origem: Um guia da cultura do estupro para o homem cavalheiro