(Último Segundo, 07/08/2014) A exigência de exame ginecológico para admissão de candidatas aprovadas no concurso da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP) é vista como “discriminatória” por entidades como a seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e a Defensoria Pública do Estado.
Conforme revelado pelo iG Educação nesta quarta-feira (6), candidatas com uma “vida sexual iniciada” que foram aprovadas no concurso de Agente de Organização Escolar da SEE estão sendo obrigadas a apresentar ao menos dois exames ginecológicos: a colposcopia e o de colpocitologia oncótica, o Papanicolau.
Só estão isentas da apresentação desses testes as candidatas virgens. Nesse caso, a mulher precisa fornecer um comprovante médico que ateste, depois de análise da paciente, que “não houve ruptura himenal” [ou seja, que não teve seu hímen rompido].
“A exigência desses exames é discriminatória e inconstitucional pois fere a intimidade e a honra da pessoa humana. Além disso, ainda tem a questão da privacidade genética. Se ela faz o Papanicolau para ver se tem uma perspectiva de câncer, ela não pode criar uma prova contra ela própria”, afirma Eli Alves da Silva presidente da Comissão de Direito Material do Trabalho da OAB-SP.
De acordo com Silva, as candidatas insatisfeitas com tais exigências podem requerer a baixa dessa regra do concurso ou até pedir o cancelamento da própria seleção pública. “Elas podem tentar impugnar o concurso. Basta recorrer ao poder judiciário, via Ministério Público ou por meio de um advogado de confiança”, fala o representante da OAB-SP.
Para a defensora pública Ana Rita Souza Prata, a exigência é discriminatória porque não exige também dos homens jovens exames que atestem doenças, infecções ou propensão para o câncer. “Verificamos que nem a OMS [a Organização Mundial da Saúde] recomenda a solicitação desses dois exames ao mesmo tempo para a mulher. A colposcopia é invasiva, dolorida e desnecessária em muitos casos”, afirma Ana Rita.
Segundo a defensora pública, a solicitação do exame “fere o direito de intimidade da mulher”. “E ainda tem o fato dele [o exame da colposcopia] não ser oferecido em Unidades Básicas de Saúde. Os exames acabam sendo bancados pela própria candidata, que muitas vezes não tem condições”, diz Ana Rita, atual Coordenadora Auxiliar do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado.
Além do caso de Luísa*, retratado na reportagem publicada desta quarta, outras mulheres que se sentiram ofendidas com tais exigências do concurso também já registraram seu descontentamento junto à Defensoria Pública. “No momento, estamos reunindo elementos técnicos para tomar as exigências cabíveis no sentido de convencer o DPME de que o exame [de colposcopia] é discriminatório, invasivo e desnecessário”.
Tais exigências, no entanto, não são exclusivas ao concurso da SEE. Outras seleções públicas do Estado, de acordo com Ana Rita, veem solicitando tais exames, por exigências presentes nas próprias normativas estaduais. A diferença, contudo, é que nesse edital as regras foram mais explicitadas às candidatas e a “alternativa” apontada para as mulheres virgens foi mais detalhada em comunicado oficial emitido pela Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos da SEE e pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME).
Violação
“Ficamos em dúvida se era verdade tais exigências. Até porque exames como esses não devem ser solicitados para fins de admissão. É claramente uma violação à privacidade e à moral da mulher. Chega a ser constrangedor”, fala Mirelly Cardoso, diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE) e ligada à diretoria de mulheres da instituição.
De acordo com Mirelly, a UNE planeja entrar com uma ação contra o Governo de São Paulo. “Nos somamos ao conjunto de movimentos sociais que já têm soltado notas de repúdio. Mas não vamos ficar apenas nessas notas. O governo vai ter que responder por isso”, fala.
Para Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação – entidade que representa uma dezena de organizações e movimentos sociais –, a exigência de tais exames “infringe direitos básicos”. “Além de ser um absurdo, em termos civis, em termos de políticas educacionais é uma postura contraproducente. [Até porque] o Estado tem um déficit enorme de profissionais concursados. Propor tais exigências pode acabar evitando mais contratações de funcionários concursados”, diz.
Há candidatas no concurso da SEE que estão sendo consideradas inaptas pelo DPME por não cumprirem com tais exigências médicas. No entanto, muitas delas – incluindo Luísa – já têm vínculos com a SEE como funcionárias temporárias. Pelo concurso, elas buscam sair da condição de temporária para a situação de concursadas. Na seleção de Agente de Organização Escolar, o salário é de cerca de R$ 900 para uma jornada de oito horas.
Secretaria das Mulheres
A Secretaria Municipal de Políticas Para as Mulheres de São Paulo também se posiciona contrário às exigências de editais como a da Secretaria Estadual de Educação. Segundo a pasta – ligada à prefeitura da capital -, esses requisitos colocados pela seleção da SEE não devem ser vistos como “naturais”.
“Não é dessa forma que se previne [as enfermidades a serem identificadas nos exames]. Essas exigências, se ainda chegarem a ser mantidas, significam uma discriminação às mulheres. O homem, que também pode ser contaminado pelo HPV [o papilomavírus humano]não precisa passar por isso”, diz Denise Motta Dau, secretária Municipal de Políticas Para as Mulheres de São Paulo.
Consultada, a Coordenação de Políticas para a Mulher – ligada à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Governo de São Paulo – disse que não vai se manifestar sobre o assunto.
DPME
Por meio de nota, o Departamento de Perícias Médicas do Estado informou que os exames solicitados funcionam como medida preventiva, “e que diversos casos foram descobertos pelo Departamento, em candidatas que sequer tinham conhecimento de seu estado”.
O DPME também disse que “o intuito do relatório médico não é tomar conhecimento da ´virgindade´ da candidata por questões sociais”, mas de oferecer uma “alternativa” de não fazer os exames “no caso de [candidatas com] atividade sexual não iniciada”.
Sobre a não exigência de exames similares em homens jovens, o departamento informa que, nos homens, “o HPV não apresenta implicações na mesma gravidade do que [ocorre] no público feminino”.
O órgão, vinculado à Secretaria de Gestão Pública, também afirmou que “não “barra” candidatas por não fazerem os exames. “Quando os exames, exigidos em edital e de conhecimento de todo participante do certame, não são apresentados, o candidato é retido simplesmente para regularizar sua situação documental”, diz a nota.
O DPME também diz que tem feito revisões constantes para acompanhar as evoluções médicas e científicas e que, por conta disso, publicou a Resolução SGP-20, em 30/05/2014, que prevê a supressão da colposcopia da lista de exames obrigatórios.
Fica mantida, no entanto, a exigência da colpocitologia oncótica para mulheres “com vida sexual iniciada – visto que a mesma é suficiente para detectar ou não a presença de câncer do colo de útero na candidata –” ou, para as virgens, “a apresentação do relatório médico justificando a impossibilidade da realização do mesmo”.
“A Resolução passa a vigorar a partir da data de sua publicação para os próximos concursos, não tendo efeitos em períodos anteriores; como no caso do edital em questão”, afirma o DPME.
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