Não é opção, é orientação, por Carmita Abdo

09 de agosto, 2014

(O Globo, 09/08/2014) Relacionar-se com alguém do sexo oposto ou do mesmo sexo não significa hetero ou homossexualidade; importa por quem somos atraídos

Muito se comenta que as novas gerações vêm experimentando relacionamentos sexuais com os dois sexos, para depois decidir (ou não) qual escolher. Experimentar não é prerrogativa das novas gerações. Além disso, a orientação sexual de uma pessoa não é definida pela sua prática, mas pela atração. Portanto, relacionar-se com alguém do sexo oposto ou do mesmo sexo não significa a hetero ou a homossexualidade. Importa por quem nos sentimos atraídos sexualmente: se por pessoa(s) do sexo oposto ou do mesmo sexo, o que indica orientação hetero ou homossexual, respectivamente.

Vale esclarecer que ninguém se torna hetero, homo ou bissexual por opção ou escolha. Um conjunto de influências de ordem bio-psico-socio-culturais nos inclina para esta ou aquela orientação (que não é opção) sexual. A homossexualidade (assim como a heterossexualidade) consiste, portanto, de uma tendência, para a qual nos orientamos, movidos pela atração.

Durante muitas décadas, prevaleceram os estudos sobre a importância das influências psicológicas nesse comportamento. Atualmente, cada vez mais os pesquisadores acreditam que nascemos com uma predisposição genética para esta ou aquela preferência sexual, sobre a qual se somam elementos educacionais, sociais e psicológicos, moldando a hetero, a homo ou a bissexualidade, entre tantas outras características sexuais. Pesquisas sugerem que alguns fatores, os quais vão determinar a orientação sexual, estão presentes desde cedo, mesmo antes do nascimento. Há cerca de vinte anos, os estudos apontavam para uma região do cromossomo X (locus xq28), a qual influenciaria a orientação sexual. Recentemente, um rastreamento do genoma humano retomou essa influência genética, ao localizar outras regiões com genes candidatos à predisposição para a homossexualidade, nos cromossomos 7, 8 e 10.

Mais fatores biológicos são implicados na determinação da orientação sexual: a exposição a hormônios durante a vida intrauterina, o número de irmãos do sexo masculino que antecedem o seguinte (resultando em resistência materna aos androgênios), o uso de medicamentos que modificam os níveis de testosterona, na circulação da gestante. Há evidências científicas de que esses níveis influenciam o desenvolvimento de determinadas áreas do cérebro, como o hipotálamo, parcialmente responsável pela atração sexual. Estudos com ressonância magnética funcional comprovam que o hipotálamo de homens homossexuais possui características mais similares ao de mulheres do que de homens heterossexuais.

Finalmente, a epigenética explica que um único gene não responde pela definição da orientação sexual, mas são os mecanismos de regulação de androgênios ( hormônios masculinos) que favorecem ou impedem a expressão de genes associados ao desenvolvimento dessa orientação . Estes genes seriam, portanto, regulados por marcas epigenéticas, que fazem parte da variação normal, transmitindo-se a novas gerações.

Há pessoas que se tornam cronologicamente adultas sem chegar a uma definição de sua orientação sexual, o que depende também do amadurecimento afetivo-emocional Contudo, ter algumas experiências com alguém do mesmo sexo, ao longo da vida, é totalmente diferente de ser um homossexual absoluto, conforme já argumentou Kinsey, em meados do século XX. Quem não assistiu ao filme sobre este pesquisador, deve fazê-lo.

A diversidade sexual, como todas as outras, merece respeito e mais conhecimento. A discriminação velada é tão negativa quanto a explicita. E só será debelada se, a partir da família, as diferenças forem conhecidas e respeitadas.

Acesse o PDF: Não é opção, é orientação (O Globo, 09/08/2014)

 

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