(O Globo, 22/09/2014) No início da década de 80, somente 3% das mulheres adultas haviam completado o ensino superior. A taxa entre homens não diferia muito, mas era maior: 5%. Desde então, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, revelam um impressionante avanço feminino. A proporção delas com diploma universitário cresce em ritmo superior ao deles, até que em 1996 as taxas se igualam e, desde então, a distância em favor das mulheres só aumenta.
Os números da Pnad de 2013, divulgada na semana passada (já com os dados corrigidos pelo IBGE), mostram que, entre a população feminina adulta, 15% completaram o nível superior. Entre homens, a proporção é de 11%.
O avanço na escolarização feminina ajudou a diminuir as diferenças salariais, mas ainda está longe de eliminá-las. Um estudo de três pesquisadoras da UFRJ (Lena Lavinas, Ana Cordilha e Gabriela da Cruz) em cima dos registros do Ministério do Trabalho revela que, de 2001 a 2012, a remuneração média das mulheres no mercado formal cresceu de R$ 1.465 para R$ 1.805, ao passo que entre homens esse aumento foi de R$ 1.814 para 2.184. “Ao término de 11 anos, numa fase de expansão econômica sustentada, as mulheres não lograram sequer alcançar o rendimento médio masculino registrado em 2001”, observam as autoras.
Outro dado interessante do estudo das pesquisadoras da UFRJ é que o hiato salarial em favor de homens cresce de acordo com o nível de instrução. Mulheres com ensino superior completo recebem, em média, somente 60% dos rendimentos verificados entre homens. É a maior distância entre todos os grupos de escolaridade.
Esse dado é em parte influenciado pelo fato de mulheres terem maior inserção em carreiras universitárias de menor remuneração. Mas os dados do Censo de 2010 permitem verificar que, em 89% das profissões catalogadas pelo IBGE, o rendimento médio delas é menor. Ou seja, trabalhos iguais, salários nem tanto.
Não bastasse essa desigualdade enfrentada no mercado de trabalho, elas ainda precisam superar a distribuição injusta dos afazeres domésticos. A Pnad mostra que o número de horas dedicadas a funções como cuidar dos filhos ou da casa praticamente não varia entre homens. Independentemente do grau de escolaridade, a média entre a população masculina fica entre 5 ou 7 horas semanais de trabalho não remunerado em casa.
Na população feminina, esse número já muda bastante de acordo com o grau de instrução. As que não completaram o ensino fundamental trabalham em média 28 semanais horas em casa, enquanto aquelas que chegaram ao mais alto grau acadêmico, mestrado ou doutorado, dedicam 12 horas a essa função. Ou seja, mesmo tendo pós-graduação, uma brasileira, em média, dedica mais horas a cuidar dos filhos e da casa do que um homem de qualquer nível de instrução.
Ainda assim, as mulheres não param de avançar em todas as carreiras universitárias, e já são maioria até entre os estudantes de pós-graduação no país. Quando meninas, superam os meninos em termos de aprovação e aprendizado. Depois, avançam mais no sistema e chegam em maior número aos níveis mais altos de escolaridade.
Há quem interprete esses dados como uma demonstração de que mulheres seriam mais aptas ou dedicadas aos estudos. É uma hipótese. Mas parece muito mais realista ver esse fenômeno como um efeito perverso de nossa desigualdade: em busca de salários iguais, é delas exigido esforço muito maior para compensar a discriminação que sofrem no mercado de trabalho.
Acesse o PDF: Avanço feminino, por Antônio Gois (O Globo, 22/09/2014)