(Época, 19/09/2014) O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e seu vice-presidente, Joe Biden, anunciaram nesta sexta-feira (19) o lançamento da campanha “It’s On Us”, focada no papel de jovens homens na prevenção de estupros em universidades e auxílio a vítimas desse crime. A ação surge a partir da constatação de que uma em cada 5 alunas de faculdades americanas sofre algum tipo de violência sexual durante seus anos de graduação. Porém, só 12% desses casos são reportados. A proporção, no caso dos homens, é de um em cada 71 estudantes.
“Sabemos que homens também sofrem estupro e a probabilidade deles falarem a respeito disso é ainda menor”, afirmou Obama durante a divulgação. “Não são só os pais de garotas que precisam assegurá-las. Os pais de garotos têm de ensiná-los a respeitar as mulheres. É uma promessa de não ser um espectador do problema, e, sim, fazer parte da solução”. Biden convocou os jovens a participar da causa e tomar para si a obrigação de intervir. “A grande maioria dos jovens homens é decente e quer fazer a coisa certa. É nossa responsabilidade mudar a cultura que propõe perguntas erradas. Nunca é certo para uma mulher questionar ‘o que eu fiz?’. A pergunta certa é ‘por que fizeram isso comigo e quem vai tomar uma atitude?’”.
Os vídeos da campanha – disponíveis no site oficial e destinados para a exibição nas redes sociais, eventos esportivos e comerciais de TV – contam com a participação de celebridades e patrocinadores para atingir o público alvo. O ator Jon Hamm, a atriz Kerry Wahington, o atleta Kevin Love, o músico Questlove e as companhias National Collegiate Athletic Association, College Humour, Viacom Inc. e Eletronic Arts estão entre os apoiadores da iniciativa.
Ao contrário dos demais movimentos de conscientização sobre estupro, It’s On Us aborda a questão pelo ponto de vista de quem está em uma festa, faculdade ou situação diária e percebe sinais de que uma violência sexual está para acontecer, explicando como ela pode evitá-la e o que fazer para apoiar quem foi abusado. A campanha sugere as seguintes estratégias:
– Converse com seus amigos aberta e honestamente sobre agressão sexual;
– Não seja uma testemunha – se você vir algo, intervenha do jeito que você puder;
– Confie nos seus instintos. Se algo parece que vai virar uma situação ruim, provavelmente vai;
– Seja direto. Pergunte à pessoa que parece precisar de ajuda se ela está bem;
– Peça ajuda a alguém se você vir algo suspeito;
– Fique de olho em quem bebeu demais;
– Se você vir alguém que está embriagado demais para tomar decisões, chame os amigos dela para ajudá-la a ir embora com segurança;
– Reconheça o risco em potencial de quem diz planejar ir atrás de uma pessoa específica em uma festa;
– Fique atento se alguém está deliberadamente tentando intoxicar, isolar ou encurralar outra pessoa;
– Intervenha criando uma distração, desviando a atenção daquele momento ou separando os dois;
– Entenda que, se a pessoa não consegue ou não quer consentir ao sexo, é estupro;
– Nunca culpe a vítima;
Aqueles interessados em participar são incentivados a assinar online o compromisso de “reconhecer que uma relação sexual não-consensual é estupro, identificar situações em que uma agressão sexual pode ocorrer, intervir quando o consentimento não foi ou não pode ser dado e criar um ambiente em que abusos sexuais são inaceitáveis e sobreviventes são apoiados”.
Em contexto
Em janeiro, a Casa Branca formou uma força tarefa para combater a insegurança sexual nas universidades depois de vítimas exigirem que o Departamento de Educação as responsabilizasse por ignorar os casos relatados. Em abril, Obama e Biden inauguraram uma versão mais tímida do movimento “It’s On Us”, chamado 1is2many, e o relatório Not Alone, que apresenta informações e recomendações para as vítimas. O escritório do Departamento de Direitos Civis publicou em maio pela primeira vez uma lista apontando as escolas com altas taxas de violência sexual. 55 instituições foram registradas naquela época – hoje, sob uma movimentação mais intensa de estudantes denunciando ocorrências, o documento conta com 80 nomes.
Um caso da Universidade de Columbia ganhou repercussão recentemente na internet. Emma Sulkowicz, de 21 anos, disse que foi estuprada por um colega na cama de seu próprio dormitório em seu primeiro dia de aula do ano passado, quando era caloura. Após descobrir que outras duas alunas haviam sido abusadas pelo mesmo homem, ela decidiu reportar a ocorrência para a faculdade, mas seu caso foi descontinuado. Neste mês, ela iniciou um projeto chamado Carry That Weight (“carregue esse peso”, em tradução livre): ela prometeu carregar um colchão para todos os lugares a que for no campus até seu agressor ser banido da universidade. Segundo ela, a proposta é um símbolo do fardo que as vítimas de violência sexual são obrigadas a aturar diariamente. Sulkowicz, assim como outras 23 estudantes de Columbia, preencheu o relatório lançado pela força tarefa da Casa Branca para medir a extensão das agressões em campus.
No Brasil, também crescem os movimentos para incentivar as vítimas de violência sexual no ambiente universitário a denunciar seus agressores. ÉPOCA publicou em julho reportagem sobre como, em diversas universidades públicas e privadas, as mulheres se organizam para combater atos machistas e agressões. Ao conversar com alunas de 13 entidades, onde há grupos feministas, em todas elas, ouviu relatos de violência sexual contra alunas. Como as autoridades universitárias não atuam para deter esse tipo de comportamento, as estudantes optaram pela auto-organização.
Em agosto, outra reportagem relatou o caso de uma estudante da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) que diz ter sido estuprada numa festa dentro da faculdade trouxe à tona um problema quase clandestino. Três anos após a denúncia, a investigação não fora concluída.
Isabella Carrera
Acesse no site de origem: EUA lançam campanha contra violência sexual em universidades (Época, 19/09/2014)