(G1) Buscando entender o porquê das divergências em relação à interpretação da Lei Maria da Penha no caso da denúncia registrada pela modelo Eliza Samudio, o portal G1 consultou alguns juízes e especialistas. Para alguns, a lei só vale para relações estáveis. Para a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a lei é clara e as divergências revelam machismo. Para que essa divergência seja contornada, alguns magistrados defendem uma alteração na lei, que completa quatro anos em agosto.
Em 2009, Eliza Samudio pediu proteção policial com base na Lei Maria da Penha, mas uma juíza entendeu que a lei não se aplicava por não haver um relacionamento, mas sim uma questão para vara criminal. “Recebi da delegacia o registro de ocorrência com um pedido de medidas protetivas. Verifiquei no mesmo dia e vi que não era da minha competência porque a Lei Maria da Penha exige que a mulher tenha uma relação íntima de afeto duradoura. No mesmo dia encaminhei para o juízo competente que seria a vara criminal. Só cumpri o que está estabelecido na Lei Maria da Penha. Estou sendo criticada por ter apenas cumprido a lei”, declarou a juíza Ana Paula de Freitas.
Para ser enquadrada na lei, a violência deve ocorrer “no âmbito da unidade doméstica”, “no âmbito da família”; ou “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (acesse a Lei Maria da Penha na íntegra).
Para a ministra Nilcéa Freire, a lei é clara ao incluir qualquer tipo de relacionamento íntimo. “No artigo que define a abrangência, se define relações íntimas de afeto, mesmo sem coabitação. Isso está explícito, escrito na lei, e fica claro que essa foi a intenção do legislador, proteger também esse tipo de relacionamento [casual].”
Na opinião da ministra, a interpretação divergente por conta de “machismo”. “Eu acho que um grande desafio não só para aplicação da lei mais efetivamente é desconstruir a cultura que alicerça a violência, a cultura machista, patriarcal, que aflora em diferentes circunstâncias. O personagem da tragédia mais recente, o goleiro Bruno, afirmou antes ‘Qual homem que nunca perdeu a paciência e saiu na mão com sua mulher?’. Ali, ele disse o que pensa. Aquilo encontra acolhida na cabeça de muita gente. Isso é o que faz com que a Justiça aja com resistência para aplicação da lei em algumas circunstâncias, a autoridade policial subestime a denúncia, achando que é briga de casal normal. (…) Isso é machismo.”
A reportagem do G1 informa que há um projeto em tramitação na Câmara, de autoria da deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA), que estabelece que o namoro, mesmo que já tenha terminado, também configura relação íntima de afeto. Mas o projeto não inclui os casos de relações casuais. Assim, na avaliação dos magistrados consultados pelo G1, o problema continuaria mesmo no caso da aprovação do projeto.
A juíza Adriana Mello, titular do primeiro Juizado de Violência Doméstica e familiar do Rio de Janeiro e que preside o Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar (Fonavid), defende mudanças na lei para deixá-la mais clara e evitar decisões divergentes. A juíza informou que em novembro o fórum de juízes vai se reunir para propor alterações na lei.
Representação
Outro trecho da Lei Maria da Penha que vem sendo questionado pelo Ministério Público Federal é o que determina que, para os processos terem prosseguimento, é preciso uma representação feita pela vítima. O problema, na avaliação do Procurador-Geral da República, é que isso é inconstitucional uma vez que é dever do Estado coibir e prevenir a violência no âmbito das relações familiares.
Acesse na íntegra: Juízes divergem sobre Lei Maria da Penha e defendem mudança no texto (G1 – 23/07/2010)
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