(O Estado de S. Paulo, 15/10/2014) Os programas sociais do governo não são voltados especificamente para a população de negros e pardos do País. A cada vez que se analisa os resultados desses programas, porém, o que se verifica é que beneficiam sobretudo essa parcela dos brasileiros.
Das 14 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família, 73% são de negros e pardos. E 68% delas são chefiadas por mulheres negras, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social.
Do conjunto de 22 milhões de pessoas, que, com os programas sociais, conseguiram sair da faixa da extrema pobreza, 78% são negras e pardas.
Para onde quer que se apontem os indicadores, os resultados coincidem. De um total de 214 mil famílias de quilombolas que existem no País, segundo estimativas oficiais, 108 mil fazem parte do Cadastro Único – que reúne informações sobre as famílias mais carentes. Desse total listado, 80% delas recebem recursos do Bolsa Família.
Como explicar isso? Não é pela quantidade de negros e pardos no conjunto da população. Eles totalizam 50,7% dos brasileiros, segundo o IBGE.
A explicação está em outro lugar. Começa com a abolição da escravatura, em 1888, após quase 4 milhões de negros terem sido traficados da África para o Brasil.
Nosso País foi o último, entre todos os países que se autoproclamavam de tradição ocidental e cristã, a libertar os escravos. Além de tardia, a libertação não foi seguida de nenhuma ação que pudesse beneficiar os negros, que até então não dispunham de nenhum tipo direito. Não eram considerados cidadãos.
Eles foram jogados para fora das grandes propriedades rurais sem qualquer tipo de apoio. Não se pensou, por exemplo, num programa especial de escolarização, como ocorreu nos Estados Unidos. Imagine-se o efeito disso num País onde analfabetos só foram conquistar o voto depois de cem anos, com a Constituinte de 1988.
Os negros não receberam terras. Nem empregos. Os grandes proprietários rurais preferiram importar mão-de-obra da Europa, especialmente da Itália.
As consequências disso são visíveis até hoje em todos os indicadores sociais. Seja na saúde, na educação, nos empregos, no nível dos salários, negros e pardos ocupam sempre as piores posições.
Não é por acaso, que, ao se estender como uma rede sobre os locais onde se concentra a população mais pobre do País, os programas acabem pescando principalmente negros e pardos.
Outros dados do MDS sobre essa questão, em outros programas:
* Do total de 1 milhão de cisternas entregues pelo Programa Água Para Todos, 80% têm responsáveis negros
* Negros e pardos somam 80% das famílias do Cadastro Único atendidas pelo Luz Para Todos
* 68% das matrículas contabilizadas nos cursos técnicos (Pronatec) oferecidos para beneficiários do Bolsa Família
* 70% das 724 mil famílias de baixa renda beneficiadas com unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida
Roldão Arruda
Acesse o PDF: População negra é maior beneficiária dos programas sociais (O Estado de S. Paulo, 15/10/2014)