(Agência Aids, 19/10/2014) Um dos maiores desafios do combate ao HIV/aids, no Brasil e no mundo, continua sendo a adesão dos pacientes ao tratamento com antirretrovirais. Todos os motivos e situações de pessoas que vivem com aids e têm dificuldade em tomar regularmente os antirretrovirais foram assunto de um encontro que reuniu, em São Paulo, na semana passada, autoridades, médicos e profissionais de saúde. Durante o 1º Fórum Nacional de Adesão à Terapia Antirretroviral, temas como A Ciência do Comportamento a Favor de Nossos Pacientes, Do Estudo ao Mundo Real, O Paciente Privado de Liberdade, Trabalhando Adesão em Paciente Idoso , Adolescentes: Nem Crianças, Nem adultos, A Mãe HIV e a Adesão Pós-Puerperal, Dependentes Químicos, O Retorno do Paciente Pródigo: Acolhendo o Retorno foram discutidos com a intenção de descobrir as razões que levam pacientes a interromperem o tratamento.
A médica Rosa de Alencar Souza, do Centro de Referência e Treinamento (CRT São Paulo) defendeu a ideia de que é preciso criar um vínculo entre o paciente e o serviço. “ O vínculo com os profissionais e com os serviços prestados é fundamental para termos bons resultados.” Cintia Nocentini, também do CRT, lembrou que a atenção às relações familiares e s redes sociais como apoio, “ podem construir um ponto importante quando o assunto é adesão”.
Gustavo Mizuno, farmacêutico do CRT, informou e admitiu que nas últimas três décadas os índices de adesão não tiveram um aumento significativo. “ Um de nossos desafios é manter a adesão na vida real, cotidiana do paciente. O esquecimento, os efeitos colaterais, os quadros depressivos desenvolvidos por muitos deles colaboram para a interrupção do tratamento”.
Sobre Exclusão Social e HIV, a enfermeira Adriana Paula da Silva, do Hospital do Câncer de Pernambuco, declarou que o fato de os trabalhos no setor serem escassos dificulta um diálogo melhor. “ As populações mais excluídas têm muita dificuldade com adesão. É preciso conhecer alguns comportamentos para melhorar a relação dessas pessoas com a medicação. Um olhar apurado sobre o que dizem e suas necessidades ajuda bastante.”
No ranking mundial de população encarcerada,o Brasil ocupa o quarto lugar no volume numérico de população — são cerca de 570 mil pessoas e uma estimativa de 5 a 15% de casos de HIV entre eles. O sistema prisional, segundo Camila Rodrigues, do Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário ( CHSP-SAP,SP), “ é um mundo à parte onde os fatores de risco são mais acentuados.Não existe distribuição de preservativos, os índices de violência sexual são grandes, registra-se a falta de consultas médicas, os presos dependem de agentes penitenciários para receber a medicação e o confinamento trás mais vulnerabilidade . Todos esses fatores dificultam a adesão”.
Sidney Pimentel, do CRT, comentou ao falar sobre O Paciente Pediátrico e Seus Cuidados que nem toda criança que se trata sabe sobre seu diagnóstico positivo. “ Todos aprendemos muito. Há algum tempo não imaginávamos que eles iriam virar adolescentes e adultos. Um grande avanço. Por isso, precisamos trabalhar, antes de tudo, a adesão à vida, depois ao serviço e aos esquemas terapêuticos.”
A médica Marinella Della Negra, infectologista no hospital Emílio Ribas, responde pelo acompanhamento de 400 adolescentes. O Emílio, carinhosamente assim chamado pelos médicos que lá trabalham, é reconhecido como referência em infectologia no Brasil. Ela explicou que os estudos dão conta de uma menor adesão entre os adolescentes. Segundo seus dados, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que existam em todo o mundo, 2 milhões de adolescentes com HIV com idades entre 10 e 19 anos . Para Marinella, lidar melhor com o tema na família auxilia a revelação do dignóstico e facilita a adesão.“ Nunca dizer papai tem aquela doença.”
A doutora Isabella Da Nóbrega, do Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa ( CEDAP BA) em Salvador, Bahia, que falou sobre A Mãe HIV e Adesão Pós-Puerperal”,ressaltou que as mulheres acompanhadas em seu trabalho relatam que aderem em 100% ao tratamento antes do parto. “ Elas não querem transmitir o vírus para suas crianças, se cuidam bastante. Depois, muitas relaxam na adesão, porque as atenções são voltadas para o bebê.”
O médico Durval Costa acompanha aproximadamente 300 idosos que vivem com HIV, de um total de mil pacientes acima de 60 anos que o Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo atende. O fato de o idoso ter doenças como diabetes, pressão alta, osteoporose, faz com que ele tenha de ingerir um número maior de comprimidos diariamente. “ Isto dificulta bastante a adesão. Temos mandado SMS, fazemos uma busca ativa dos pacientes que faltam e individualizamos o tratamento com nossa equipe multidisciplinar para melhorar os índices no tratamento da aids”, explica Durval.
A negação da doença, a falta de percepção da real necessidade do tratamento, os conhecidos efeitos adversos, a complexidade em administrar o tomar a medicação, muitas vezes a falta de privacidade, o medo de desenvolver lipodistrofia e o fato de os comprimidos representarem cotidianamente a doença na vida da pessoa foram alguns dos itens abordados por Lucy Vasconcelos, do Centro de Prevenção e Assistência às Doenças Infecciosas(Cepadi) em São Caetano do Sul (Grande São Paulo) para explicar a falta de adesão.
A médica Lucy, ao falar sobre Acolhendo o Retorno, explicou que o melhor a fazer é sempre tentar entender, junto ao paciente, os motivos que o fizeram desistir temporariamente do tratamento. “ Ter e expressar raiva pela atitude de abandono não acolhe ninguém. Julgar o paciente por suas faltas também não”. enfatizou . “O sucesso da adesão está ligado a uma postura fraterna e acolhedora por parte dos profissionais de saúde”, fez questão de ressaltar.
Especialista em adesão em populações privadas de liberdade em diferentes países no mundo, Frederick Altice, professor de medicina em Yale ( EUA) falou da complexidade de adesão em dependentes químicos. Apresentou histórias e trouxe diferentes realidades: 38 estudos com 14.960 pacientes. Na Malásia, quando o paciente usa substâncias químicas, “ ele simplesmente para o tratamento”. No Peru, em um universo de 5.200 homens que fazem sexo com homens(HSH), a prevalência de álcool foi registrada em 63%. Dois em cada três dos pesquisados abusavam do uso da substância.
Ainda segundo Frederick, no sistema carcerário da Argentina, se o detento for descoberto fazendo uso de álcool ou cocaína, “ é excluído do tratamento” como represália. O professor enfatizou que é preciso deixar o paciente ser quem ele é de fato para conseguir bons resultados na adesão. “ Uma pessoa que usa drogas consideradas ilícitas tem de ser abordada pelo profissional de saúde de forma que não se sinta constrangida de fazer uso das substâncias. Se você não perguntar, ele não vai falar nada.É preciso lidar com a realidade do paciente”, destacou.
O especialista explicou que os novos critérios para aferir os distúrbios do uso de drogas têm novo conceito considerando o uso como “ leve, moderado ou grave”. Segundo ele, se o paciente for tratado de forma correta poderemos obter uma melhor adesão aos medicamentos. “A cultura de cada país também deve ser levada em conta e observada quando o assunto é adesão e uso de substâncias tóxicas. Na Rússia, por exemplo, ninguém vive sem tomar vodka.”
O professor comentou que os vícios são um problema biológico e, ao pedir permissão e conversar sobre isso com o paciente, o profissional de saúde terá mais elementos para conseguir um caminho que traga resultados positivos para adesão. Promovido pela Janssen, o evento foi coordenado pelo gerente médico de virologia , Bernardo Gaia. Outro objetivo do encontro foi facilitar a criação de uma rede de profissionais envolvidos em adesão para “ trocar experiências e se fortalecer”.
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