(Época, 27/10/2014) Em abril deste ano, homens do grupo extremista islâmico Boko Haram invadiram uma escola no norte da Nigéria e sequestraram mais de 200 meninas que estavam no local para fazer uma prova. O caso gerou comoção internacional, mas não foi uma exceção: o grupo, que luta contra a “educação ocidental” e quer criar um estado Islâmico na Nigéria, já sequestrou mais de 500 meninas ou mulheres desde 2009. Seis meses depois do ataque à escola, as meninas continuam em poder dos extremistas e pouco se sabe sobre o que aconteceu com elas. Nesta segunda-feira (27), a organização Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório tentando contar essas histórias – e revela abusos e horror.
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A HRW entrevistou 30 meninas que foram sequestradas pelo Boko Haram e, posteriormente, foram liberadas ou conseguiram fugir, além de 16 testemunhas. Os relatos foram organizados em um documento de 63 páginas chamado “Those Terrible Weeks in their Camp” [“As terríveis semanas no acampamento deles”]. O texto mostra que as meninas foram forçadas a se converter ao Islamismo, a se casar, sofreram abusos físicos, psicológicos, estupro e foram colocadas em situação de trabalho escravo.
O relatório mostra que as meninas viraram alvo do Boko Haram por dois motivos: ou por serem cristãs ou por frequentarem escolas. Segundo o HRW, nas primeiras ações, o grupo não atacava especificamente meninas. Essa estratégia passou a ser adotada a partir de 2012. O ataque na escola de Chibok, em abril, foi a maior ação do grupo. Uma das vítimas conta como que a questão da conversão era central no discurso dos homens do Boko Haram. “O líder deles me disse que eu fui levada ao acampamento porque nós, cristãos, adoramos três deuses. Quando eu contestei essa informação, eles amarraram uma corda no meu pescoço e me bateram até eu quase desmaiar. Um rebelde que eu reconheci, porque era da minha vila, me disse que se eu não aceitasse o Islã, seria morta. Aí eu me converti”
Os relatos de algumas meninas sequestradas mostram que elas também foram forçadas a trabalhar. Uma delas, por exemplo, era obrigada a carregar munição e foi ensinada a atirar. Ela conta que, após ser forçada a assistir a execuções, pensou seriamente em roubar a arma dos rebeldes e tentar o suicídio. Ourta menina, de apenas 11 anos, contou que foi usada como isca para um ataque dos extremistas. Ela foi forçada a se aproximar de um grupo de pessoas e pedir ajuda. Quando os homens foram ajudar, os extremistas atacaram.
As entrevistas indicam que os comandantes do Boko Haram proibiam o abuso sexual das meninas sequestradas. Ainda assim, a Human Rights Watch documentou oito casos de violência sexual. A maioria dos casos são de estupro após as meninas serem forçadas a casar. “Após ser declarada casada”, diz uma menina de 15 anos, “eu fui morar em uma caverna com um homem de cerca de 30 anos. Eu sempre o evitava, e ele passou a me ameaçar com facas e armas e disse que, se eu gritasse, me mataria”.
A estratégia de forçar as meninas em casamentos está bem documentada no relatório. Em um dos depoimentos, uma mulher sequestrada em 2013 conta como conseguiu escapar. Ela explica que, ao saber que seria obrigada a casar, passou a fingir estar sentindo dor. “Eles ficaram com medo de que eu pudesse ser HIV positivo e me mandaram testar em um hospital. Foi assim que eu consegui escapar do acampamento”.
Segundo a Human Rights Watch, mais de 7 mil civis morreram, em centenas de ataques do Boko Haram, desde 2009. Nesta segunda-feira, o governo da Nigéria afirmou que continuam as negociações para libertar as meninas sequestradas. O Exército anunciou um cessar-fogo com os terroristas para permitir a libertação, mas em menos de 24 horas o grupo fez novo ataque no norte da Nigéria, sequestrando mais 60 mulheres.
Acesse no site de origem: A vida das meninas nigerianas sequestradas pelo Boko Haram (Época, 27/10/2014)