(Valor, 07/11/2014) A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, alertou recentemente para o risco de o mundo entrar em uma nova normalidade “medíocre” de baixo crescimento. Ela não é única a ter essa preocupação.
Autoridades econômicas pelo mundo buscam formas de elevar o crescimento, com investimentos em infraestrutura no topo da maioria das agendas. Mas, como Lagarde costuma afirmar com frequência em suas audiências, uma solução, muitas vezes negligenciada, é ampliar a participação e a promoção das mulheres.
As mulheres representam metade da oferta de trabalho mundial e cerca de 70% da demanda mundial de consumo. Ainda assim, ainda há um longo caminho a percorrer para que seu potencial econômico se torne realidade, como confirmado no recém-lançado Relatório de Desigualdade de Gênero 2014 do Fórum Econômico Mundial.
Em muitos países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, homens e mulheres alcançaram a igualdade ou estão perto disso nos segmentos de educação e saúde, segundo o informe, que abrange 142 países e 94% da população mundial. Mas, como evidenciado pelo ataque a Malala Yousafzai, a estudante paquistanesa premiada com o Nobel da Paz, garotas e mulheres ainda são proibidas de estudar em muitos lugares.
Além disso, em termos de oportunidades e participação econômica, as mulheres seguem atrás dos homens por uma margem considerável, de 15% a 25%, mesmo nas sociedades de maior igualdade de gênero. No mundo, apenas metade das mulheres em idade laboral está empregada e elas recebem 75% do que ganham os homens, mesmo quando têm o mesmo nível de educação e a mesma ocupação.
Por outro lado, as mulheres têm presença acima da média em empregos informais, temporários e de meio período, em geral posições de baixa produtividade, baixos salários, sem benefícios e com oportunidades de crescimento limitadas. Com base no ritmo de progresso dos últimos nove anos, serão necessários mais 81 anos para eliminar a desigualdade econômica de gênero no mundo.
Estima-se que as mulheres ocupam cerca de 24% dos altos cargos gerenciais do mundo, com números similares em regiões e níveis de desenvolvimento diferentes. Recente estudo do Credit Suisse Research Institute (CSRI) com 3 mil empresas de diversos setores e países, contudo, chega a uma conclusão mais deprimente: as mulheres ocupam, em média, apenas 13% dos altos cargos gerenciais (executivos-chefes e auxiliares diretos), com o maior índice, o da América do Norte, alcançando apenas 15%.
A participação das mulheres, além disso, é mais frequente em posições em áreas menos influentes, como a de “serviços compartilhados”, nas quais as oportunidades de promoção a altos cargos são limitadas. E, embora a participação feminina nos conselhos de administração empresariais tenha aumentado em quase todos os países e setores nos últimos três anos – os maiores aumentos se deram em países que adotaram cotas -, as mulheres detêm apenas 12,7% das cadeiras nos conselhos, em média.
A desigualdade de gênero não afeta apenas as mulheres, afeta a todos. Mulheres saudáveis e instruídas têm mais chances de ter filhos mais saudáveis e mais instruídos, criando um ciclo virtuoso de desenvolvimento. Dados do Fórum Econômico Mundial indicam forte correlação entre o progresso de um país e a diminuição da desigualdade de gênero – em particular, na educação e na força de trabalho – e sua competitividade econômica.
Os argumentos econômicos a favor das mulheres são fortes. Empresas com mais mulheres no conselho de administração ou em altos cargos gerenciais refletem melhor os perfis de seus clientes e funcionários, se beneficiam de pontos de vista mais diversos para solucionar problemas, se posicionam melhor em indicadores de cooperação organizacionais e de saúde, e registram melhores retornos sobre o patrimônio e lucratividade. Além disso, o estudo do CSRI indica maiores valores de ações, taxas de remuneração e retornos sobre o patrimônio, sem diferenças notáveis na assunção de riscos.
Concretizar o potencial econômico das mulheres exige mudanças nas políticas, nas práticas comerciais e nas atitudes. Países desenvolvidos deveriam investir em creches acessíveis, em educação na primeira infância e em licença-maternidade; na troca dos impostos familiares por impostos individuais; e na concessão de créditos tributários, medidas de proteção e benefícios mais generosos para trabalhadores de baixos salários ou de meio período. Nos países em desenvolvimento, são essenciais reformas legais que deem às mulheres direitos iguais na propriedade de terras, herança e acesso a crédito.
Ao mesmo tempo, as práticas do departamento de recursos humanos deveriam levar em conta preconceitos inconscientes, riscos de estereótipos e diferenças comportamentais de gênero documentadas. Por exemplo, pesquisas indicam que as mulheres tendem a ter menos confiança – e menos propensão – para negociar aumentos salariais e promoções do que homens igualmente qualificados.
A desigualdade de gênero nas oportunidades e na participação econômica das mulheres varia de forma significativa geograficamente. As conclusões do Fórum Econômico Mundial mostram que o Oriente Médio e África Setentrional sofrem de desigualdade de gênero maior, com as mulheres tendo, em média, apenas 40% de igualdade no local de trabalho, em comparação aos quase 80% na América do Norte. A desigualdade geral, aliás, aumentou na Jordânia e Tunísia.
Ainda assim, há tendências positivas. Nos últimos nove anos, a Arábia Saudita reduziu mais do que qualquer outro país a desigualdade econômica de gênero em relação a seu ponto de partida.
Lagarde vem desafiando autoridades e líderes empresariais a promover mudanças que ampliem as oportunidades e participações econômicas das mulheres. Os ganhos econômicos são substanciais. Nas palavras de Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial: “Apenas vão continuar competitivas e prosperar as economias que tiverem pleno acesso a todos seus talentos. Mas, ainda mais importante, a igualdade de gênero é uma questão de justiça”. Seria difícil encontrar motivos mais convincentes para acelerar o avanço rumo à igualdade de gênero. (Tradução de Sabino Ahumada).
* Laura Tyson é ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente dos EUA e é professora na Haas School of Business, da University of California, em Berkeley.
* Saadia Zahidi é diretora sênior no Fórum Econômico Mundial e chefe de seus programas de Capital Humano; de Constituintes Especiais; e de Igualdade de Gênero. Copyright: Project Syndicate, 2014. www.project-syndicate.org
Acesse o PDF: A lenta marcha rumo à igualdade (Valor, 07/11/2014)