(O Estado de S. Paulo, 16/11/2014) Você consegue imaginar um país em que as mulheres ganham mais do que os homens? Sim, ele existe e aparentemente é único no mundo: a Dinamarca. De acordo com reportagem do UOL da semana passada, essa é a conclusão do relatório Diferenças Globais entre Gêneros-2014, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, que avaliou 142 nações.
O salário médio das dinamarquesas supera em 3% os vencimentos dos homens. Em seguida vem a Austrália, onde as mulheres ganham menos do que os homens – em média, seu salário equivale a 96% do deles. E nós? O Brasil está na 69.ª posição, com o salário feminino alcançando, em média, 59% do masculino. Que diferença! O número não surgiu à toa. A Dinamarca investe pesado na discussão das questões de gênero desde os primeiros passos das crianças na escola, isso já há décadas.
Aqui, infelizmente, estamos a anos-luz dessa situação. Além da defasagem salarial das mulheres, outros números revelados pelo Estado na semana passada escancaram outra faceta perversa da questão do gênero: a violência sexual. Dados do 8.º Anuário Nacional de Segurança Pública mostram que o número de mulheres vítimas de estupro no Brasil pode ter alcançado 143 mil em 2013. Um estupro a cada quatro minutos. O número é uma projeção, uma vez que foram registrados, de fato, 50.320 casos e as estimativas dos especialistas são de que 35% dos episódios sejam oficialmente relatados.
De um lado, a cultura machista, o sexismo, a dificuldade do homem de lidar com a nova mulher, a visão distorcida de que ela é posse masculina e a impunidade e, do outro, o medo e a vergonha das vítimas acabam dando combustível para que essa violência continue a ameaçar as mulheres.
No mesmo campo das questões de gênero, também semana passada, o Ministério das Relações Exteriores, segundo a BBC Brasil, confirmou ter dados suficientes para negar visto de permanência no País ao suíço Julien Blanc. O caso ganhou escala quando o site Avaaz lançou uma petição pública pedindo uma ação das autoridades brasileiras em relação ao assunto, que ganhou quase 350 mil assinaturas. Blanc é uma espécie de instrutor de uma empresa americana que ensina técnicas machistas de intimidação e humilhação para os homens solteiros “conquistarem” uma mulher. Quatro palestras estavam agendadas, em janeiro de 2015, em Florianópolis e Rio, à bagatela de US$ 2.500 – mais de R$ 6 mil – por pessoa.
A ideia, segundo Blanc, é baixar a autoestima feminina, gerar medo e até forçar a barra para se alcançar o objetivo. Fico aqui pensando que, pior do que existir o método e os instrutores, é imaginar que há público para essa atrocidade. O suíço já teve o visto negado na Austrália e no Reino Unido.
Medicina e vergonha. Também na semana passada, alunas da Universidade de São Paulo (USP) denunciaram em audiência pública na Assembleia Legislativa (Alesp) casos de abuso e violência sexual (até mesmo estupro) na Faculdade de Medicina. Um inquérito aberto pelo Ministério Público Estadual (MPE) investiga agressão e discriminação a mulheres e homossexuais. As vítimas afirmam que estariam acontecendo também tentativas da direção da faculdade de ocultar os casos para preservar a imagem da instituição.
O absurdo não é isolado da Medicina nem da USP. Nos últimos anos, tem se repetido em diversos cursos e universidades brasileiras. É muito grave que essa violência aconteça justamente com quem está sendo formado para cuidar de pessoas e salvar vidas. É imperativo que as investigações avancem, que culpados sejam punidos e, mais, que se faça com alunos, desde o momento do trote, um trabalho profundo de respeito aos direitos humanos, de tolerância e de compromisso ético e profissional.
Acesse o PDF: Mulheres e violência sexual, por Jairo Bouer (O Estado de S. Paulo, 16/11/2014)