(CFEMEA, 21/11/2014) A atual legislação brasileira diz, sobre a guarda das crianças, nos artigos 1.583 e seguintes, que o juiz deverá informar aos genitores o significado da guarda compartilhada, sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores, as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas e que, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada e a forma de convivência dos genitores com os filhos, como podemos ver a seguir:
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Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:
I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;
II – saúde e segurança;
III – educação.§ 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos.
§ 4o (VETADO).
Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.
Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.
§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.
§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.
§ 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.
§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
É nítido que a atual legislação brasileira já busca o fim do conflito entre os genitores e detentores das guardas, buscando o melhor para as crianças.
Observa-se, além disso , que existem mecanismos de mediação e de busca de aconselhamento psicológico junto com as instituições – Ministério Público e Tribunais – para tentar sanar divergências. Não deixando a decisão da guarda meramente no consenso, podendo ser definida mesmo quando os genitores não possuem acordo após verificação de possibilidade da aplicação da guarda em conjunto.
O Projeto de Lei Complementar 117 de 2013, estipula o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispõe sobre a sua aplicação.
O projeto define guarda compartilhada como:
“Na guarda compartilhada, o tempo de custódia física dos filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”.
Observa-se claramente que o legislador define de forma leviana o instituto da “guarda compartilhada” que, dentro da doutrina jurídica, é definida como a tomada em conjunto das decisões relativas a criança, em que ambos dividem as responsabilidades de criação e educação, a criança permanece morando com um dos genitores, mas não há regulamentação de visitas nem limitações de acesso à prole em relação ao outro.
A definição de guarda compartilhada do referido projeto de lei apenas trata da divisão de tempo em que cada criança ficará com os genitores, definição essa que na verdade se refere à GUARDA ALTERNADA.
A “guarda alternada” é a guarda exercida alternadamente entre os genitores que não possuem diálogo, é a guarda física, legal e exclusiva do filho, ou seja, os pais se revezam nas tomadas de decisões, não respeitando ou considerando a decisão do outro genitor. Essa modalidade de guarda não é recomendada, pois cria e amplia conflitos para a criança, que passa a receber orientações diferentes em cada núcleo familiar ao qual pertence e pode sofrer abalos emocionais, entre outras consequências. Definitivamente não é considerada a melhor para a criança.
A automaticidade da declaração de guarda, caso o projeto venha a ser aprovado, poderá, além de prejudicar as crianças envolvidas, ampliar e prolongar eventuais situações de violência doméstica, forçando a vítima a ter a constante presença do agressor próximo a ela. Por isso é importante que cada caso seja analisado, de modo que cada família tenha suas particularidades contempladas pelo judiciário.
Quanto à guarda compartilhada, diversos juristas defendem a alteração do termo “guarda” para “convivência familiar”, para que se exclua a falsa impressão de que os genitores estão disputando um objeto.
A declaração automática da guarda compartilhada somada ao conceito raso apresentado pelo projeto pode gerar resultados negativos para a sociedade brasileira e principalmente para as crianças e mulheres vítimas de violência doméstica.
Observa-se, de acordo com os dados do IBGE (2011), que, após o divorcio, 87,64% das mulheres ficaram responsáveis pela guarda das crianças brasileiras, enquanto apenas 5,42% das guardas foram registradas como responsabilidade conjunta e 5,33% ficaram com os homens.
Infelizmente, tais pesquisas ainda possuem poucos dados e não é possível verificar qual o nível de conflito/interesse dos genitores na busca das responsabilidades igualitárias com os filhos, e quantos deles, após a regulamentação das visitas, cumpriram os acordos e se fizeram presentes na vida dos filhos.
Devemos sempre levar em conta que existem 5,5 milhões de crianças (segundo o Conselho Nacional de Justiça – CNJ) sem o registro paterno no Brasil e que a questão da paternidade não se resolverá com uma simples mudança legislativa. É necessária uma mudança cultural e institucional. Cabe ao judiciário estabelecer mecanismos para sanar ou diminuir os conflitos familiares, caso a caso, por isso o instituto da mediação é de extrema importância.
No Brasil, têm sido realizados, nos últimos anos, mutirões de reconhecimento de paternidade e campanhas para que crianças não fiquem sem o nome dos pais no registros. Portanto, a guarda compartilhada automática poderá afetar diretamente essas ações do governo, já que os casos não seriam analisados pelo judiciário e a criança passaria a ter dois responsáveis muitas vezes sem nunca ter tido contato com o outro responsável, o que as levaria a situações de risco.
A automaticidade da guarda compartilhada poderá também produzir impactos emocionais e financeiros na vida das mulheres. Ora, se a guarda é compartilhada, as responsabilidades de forma presumida também passariam a ser. O projeto determina que os filhos fiquem o mesmo tempo com cada genitor, mas no quesito pensão alimentícia ele não especifica que os custos serão de 50% a 50% (quando a situação financeira dos dois genitores é equivalente), ou se cada um arcará apenas com os gastos enquanto estiver com a criança, não especificando como serão pagas as contas exclusivas da criança como, por exemplo: escola, transporte, vestimenta, alimentação, material escolar, plano de saúde etc.
A guarda compartilhada pressupõe que os gastos serão feitos de forma harmoniosa, e o PL cria a autorização e a obrigação de fiscalizar os gastos de um genitor com o outro, mas não especifica qual será e como será o processo de prestação de contas, e ainda deixa a dúvida sobre como duas pessoas que não se comunicam irão, de forma harmoniosa, fazer o esclarecimento das contas mensais, diárias ou anuais. Há de se pensar se a cada discordância na vida das crianças será necessária intervenção judicial para sanar o conflito, já que o conflito só foi sanado na lei e não na realidade dos casos.
Outra questão polêmica do projeto é a necessidade de autorização expressa para a mudança de endereço de município/estado. Significa, na prática, que caso uma das partes tenha que se mudar devido ao trabalho, por exemplo, ela só poderá se mudar com autorização expressa, não apenas com comunicação e adequação das visitas e guarda, cerceando o direito de ir e vir.
Desta forma, desaconselhamos a mudança da legislação, que não busca sanar os conflitos e sim apenas tratar da guarda física de uma criança, não dando atenção às demais situações em que essas famílias se encontram.
Reconhecemos a necessidade de se ampliar, dentro do judiciário, a mediação de conflitos, inclusive com a ajuda de equipe sócio-psicológica.
Fernanda Rosas Pires de Saboia – Assessora técnica do CFEMEA