Bancada feminina da Câmara se organiza para aumentar participação e evitar retrocessos

05 de fevereiro, 2015

(Portal Fórum, 05/02/2015) Deputadas se articulam para combater o cenário de desigualdade de gênero nas instâncias de poder do Parlamento; no último domingo, pela primeira vez na história, duas mulheres foram escolhidas para integrar, simultaneamente, a Mesa Diretora da Casa

Na eleição da Câmara dos Deputados, realizada no último domingo (1), algo de inédito ocorreu. Pela primeira vez, duas mulheres foram escolhidas para integrar, simultaneamente, a Mesa Diretora da Casa. Com 456 votos, Mara Gabrilli (PSDB-SP) foi eleita para a 3ª Secretaria, e Luiza Erundina (PSB-SP), com 372 votos, foi eleita para a 3ª suplência. Antes delas, no biênio 2011-2012, Rose de Freitas (PMDB-ES) havia se tornado a primeira deputada a ocupar um cargo na Mesa, como 1ª vice-presidente.

Se considerarmos as últimas três legislaturas, os números indicam para uma profunda e crônica desigualdade de gêneros. Somente 8,7% das presidências de Comissões Permanentes foram ocupadas por mulheres; 2,5% das relatorias de medidas provisórias foram feitas por mulheres; e só duas deputadas presidiram comissões mistas para apreciação de medidas provisórias.

A ausência de mulheres não é tônica apenas nos espaços de poder e decisão, mas na Câmara como um todo. A legislatura que se iniciou no último dia 1º contará com maior número de deputadas do que a anterior: até dezembro de 2014, elas eram em 45; agora, são em 51. Ainda assim, representam, atualmente, apenas 9,9% de um total de 513 parlamentares. A dificuldade das mulheres no acesso às altas esferas políticas do Brasil o colocou na 129ª posição em um ranking de 189 países, produzido pela União Interparlamentar (UIP), que mede a participação feminina no Parlamento.

“Na nossa avaliação dos possíveis avanços do trabalho que realizamos no ano passado, chegamos à conclusão de que a pressão, as mudanças legais foram bem mais além do que a conquista do processo eleitoral. Nós quase que não crescemos, apesar da intensa mobilização que foi realizada com o Supremo Tribunal Eleitoral, Ministério Público Eleitoral, campanhas institucionais para a mudança da legislação”, explica a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), coordenadora da bancada feminina da Câmara, que, para tentar reverter essa quadro, lançou, no final do ano passado, uma plataforma de atuação para esta legislatura.

O documento se baseia em quatro pilares. Um deles é a defesa rigorosa da manutenção das conquistas legislativas mais recentes das mulheres brasileiras. Essa é uma das maiores preocupações de Luiza Erundina, que se diz pessimista em relação à atuação da nova Câmara, cuja composição, de acordo com ela, é “mais conservadora, de pessoas que não têm compromisso com mudança, avanços e modernidade”. “Acho que, em vez de se avançar, temo que se retroceda, que se comprometam conquistas importantes”, argumenta. “Mas, ao mesmo tempo, mudanças, conquistas e preservação de direitos você consegue com força política, e essa força política a gente constrói na relação com a sociedade, não no âmbito das instituições”.

Para fortalecer essa relação com a sociedade, Erundina pretende, como um dos pontos centrais de seu mandato, apertar os laços com movimentos sociais. “Há umas duas legislaturas, havia muito mais articulação entre a bancada [feminina] e os movimentos de mulheres, as entidades feministas. Isso reforçava a atuação da bancada, e a bancada se tornava canal, ferramenta a serviço das demandas desses movimentos”, relembra.

Outro eixo de atuação da bancada feminina diz respeito ao estabelecimento de um novo padrão de ocupação dos cargos de poder da Casa, mais inclusivo e democrático, que suponha a representação de ambos os sexos. Para tanto, as deputadas focarão na apreciação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 590/06, de autoria de Erundina, que determina a presença obrigatória de parlamentares mulheres e homens nos órgãos de direção da Câmara e do Senado. Na avaliação da deputada, a matéria ainda não foi votada – embora já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) –, por enfrentar resistência. “Em geral, a presidência e a Mesa Diretora da Câmara são constituídas por maioria de homens. Não interessa a eles ampliar a participação das mulheres nos espaços de poder da Casa, porque isso significa diminuir o poder deles”, assinala.

Atuação

Segundo Jô Moraes, há a possibilidade das deputadas da bancada feminina votarem juntas, independente de seus partidos, quando os projetos forem relacionados à participação das mulheres na política e nos espaços de poder. Essa questão foi levantada em uma reunião em dezembro, mas agora é necessário rediscuti-la com as novas parlamentares que ingressaram.

Questionada sobre como a bancada lida com divergências políticas e religiosas que engloba, Moraes foi categórica. “Da coordenação da bancada, saem propostas que são de consenso para defesa conjunta. Do ponto de vista dos direitos políticos e da participação das mulheres no poder, não tem diferenças. Quanto às questões dos direitos sexuais e reprodutivos e da violência contra a mulher, em geral, cada deputada atua isoladamente. Nós não vamos impor uma maioria em torno das questões religiosas”, afirma.

Quanto aos projetos prioritários para o grupo, por ora também não há uma definição, que deve ser alcançada ao longo das conversas com as deputadas eleitas em outubro. Moraes, entretanto, relembra as matérias mais defendidas pelo bloco recentemente. “Nos últimos anos, e principalmente no último, a bancada feminina colocou três prioridades: a PEC da Luiza Erundina; o projeto de lei da deputada Alice Portugal [PCdoB-BA] sobre relação de igualdade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho; e os projetos da CPMI da violência contra a mulher. Não conseguimos a PEC nem o PL, e dos treze projetos da CPMI, só aprovamos aqui na Câmara dois secundários. Por isso que colocamos como preocupação central uma pressão maior para a aprovação desses projetos”, esclarece.

União

A deputada Ana Perugini (PT-SP) iniciou, nesta semana, sua atuação em Brasília. Ela, que habitou, até ano passado, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), é uma das novas integrantes da bancada feminina da Câmara. Para ela, a articulação das parlamentares é fundamental. “Espero que possamos nos reunir enquanto mulheres aqui no Parlamento para dar sustentação à nossa participação na política. Eu desconheço uma outra forma de transformação da sociedade que não seja organização para reivindicarmos e adquirirmos nossos direitos”, declara.

Mara Gabrilli compartilha desse ponto de vista. Sua experiência como candidata a um cargo da Mesa Diretora, inclusive, diz muito sobre união e empoderamento de outras mulheres. “A hora em que apareceu meu nome como candidata à 3ª Secretaria, a mulherada toda se empolgou. As mulheres se unem, independente do partido, do estado, porque são mulheres”, coloca.

Ela quer abrir um novo precedente nesse sentido. “É bem curioso como uma mulher inspira confiança principalmente para outra mulher. Como eu assumi esse cargo de 3ª secretária e não vou poder frequentar as comissões, estou dando andamento para os meus projetos para que tenham relatores. E já estou entregando nas mãos das mulheres do meu partido”, conta. “Estou representando as mulheres nessa secretaria.”

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Anna Beatriz Anjos

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