(El País, 18/03/2015) A mudança de uma realidade que ainda paga salários mais altos para os homens e mais baixos para as mulheres ao redor do mundo pode começar com apenas uma atitude. “As mulheres devem ser treinadas e se sentirem confiantes para pedir mais dinheiro”, diz Randy Melzi, diretora de Programas de Políticas Públicas e Relações Corporativas da Americas Society and Council of the Americas – organização dedicada à educação, ao debate e ao diálogo nas Américas. Melzi observa que as mulheres ainda têm vergonha e não se sentem tão à vontade quanto os homens para pedir um aumento. Entre o público masculino, pedir um salário maior é uma atitude mais natural. “As pesquisas mostram que os homens são mais interessados em fazer mais dinheiro e em pedir mais dinheiro”, diz Melzi. Jogar o sutiã na fogueira já não adianta mais. Neste século, arregaçar as mangas pode surtir mais efeito.
Ainda que a atitude das mulheres tenha de mudar, as companhias também têm seu papel para transformar a disparidade salarial entre gêneros. Para Melzi, é preciso que as empresas incorporem uma nova cultura nesse sentido. “Culturalmente, as companhias devem começar a pagar mais dinheiro às mulheres”, diz ela. “As companhias devem focar na diversidade e precisam dizer a elas mesmas ‘nós pagaremos um salário maior’ [para as mulheres]”.
Segundo os dados da Pnad 2012 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a mais recente feita nesse âmbito), a diferença salarial entre gêneros voltou a crescer no Brasil. Enquanto em 2011 o rendimento médio mensal das mulheres era equivalente a 73,7% dos homens, no ano seguinte, esse percentual caiu para 72,9%.
Além de salários desiguais, a batalha no mundo corporativo também passa pela busca por ocupar o mesmo espaço que os homens nos cargos de chefias das empresas. Segundo um levantamento realizado por jornalistas do Volt, no Brasil, dos 488 cargos executivos principais nas 64 empresas que estão no Ibovespa, apenas 6,5% estão ocupados por mulheres. A expressão ‘Teto de vidro’, criada em 1980 como uma metáfora para se referir aos empecilhos aos avanços das mulheres no setor privado, segue servindo para ilustrar uma realidade mais de 30 anos depois.
A explicação para isso pode ser cultural. Mas empiricamente falando, há boas razões para que as empresas se preocupem em garantir maior diversidade em seus cargos de chefia. Segundo Melzi, existem diversos estudos que apontam a vantagem de ter mulheres na liderança das empresas. “Os levantamentos mostram que as companhias que têm mulheres no comando apresentam um desempenho melhor do que as companhias que não têm”, diz. “Creio que isso seja uma boa oportunidade para que as empresas invistam na diversidade de gêneros”.
E esse investimento, de acordo com Susan Segal, presidenta e CEO da Americas Society and Council of the Americas, não deve ser oriundo de uma política de imposição, como cotas. “Não acho que as cotas deveriam ser adotadas”, diz. “Por uma razão muito simples: as mulheres não deveriam ser exceção nos cargos de liderança, mas sim ser qualificadas para tal”. Para Melzi, as companhias devem adotar uma cultura de contratar mulheres preparadas para os cargos de liderança, sem que isso seja parte de um programa de obrigações.
Essa reflexão é feita em um momento em que as mulheres que estão no comando de países latino-americanos enfrentam turbulências em suas administrações. Dilma Rousseff, no Brasil, tenta transmitir segurança para um país que vive um caso de corrupção em sua maior estatal, misturado ao aperto dos cintos para encarar uma recessão econômica. Na vizinha Argentina, Cristina Kirchner se vê exposta com as investigações do ‘Caso Nisman’ – um juiz que denunciou a presidenta e acabou morrendo de forma ainda não desvendada pela polícia – e, no Chile, Michelle Bachelet tem o próprio filho investigado por corrupção em seu Governo. “A corrupção é endêmica em diversos países ao redor do mundo”, diz Randy Melzi. “Há outros países da América Latina que também passam por situações similares, então isso não é uma questão de gênero”.
Apesar da situação política que o Brasil atravessa, o país tem sido bem visto nas questões do avanço das mulheres no mercado de trabalho. “Acredito que o Brasil tem feito grandes progressos, no sentido da quantidade de mulheres empreendedoras”, diz Susan Segal. “Elas são líderes. Como o Brasil tem um número muito grande de empreendedores em geral, o número de mulheres no comando das suas empresas também acaba sendo grande”, completa.
Lições do topo
A discussão sobre a promoção da mulher em cargos de liderança se tornará tema de um workshop nesta quinta-feira, 19. Pela primeira vez no Brasil, a Americas Society and Council of the Americas realizará um debate sobre a liderança da mulher nos setores público e privado e o empoderamento feminino no trabalho.
Histórias de sucesso serão apresentadas em um evento fechado, com participantes como a ex-senadora Marina Silva, a presidenta da Dudalina Sônia Regina Hess de Souza, a CEO da Americas Society and Council of the Americas, Susan Segal, e a fundadora do Talk Olga, Juliana de Faria, entre outras convidadas.
Intitulado ‘Women’s Economic Empowerment in Brazil: Lessons from de Top’, o seminário ocorre das 9h às 13h em São Paulo, apenas para convidados. O evento contará ainda com a presença de Jaime Ardila, presidente da General Motors na América do Sul, Andrea Grobocopatel, presidenta da Fundación Liderazgos y Organizaciones Responsables (FLOR), Donna Hrinak, presidenta da Boeing na América Latina e Caribe, Eleonora Menicucci, ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres do Brasil e Denise Pavarina, diretora-executiva do Banco Bradesco.
Marina Rossi
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