(G1, 23/03/2015) Feministas marcaram encontros no STF, no Congresso e no Executivo. Iniciativa surgiu após morte de mulheres em clínicas clandestinas no RJ.
Um grupo formado por professoras universitárias e militantes feministas marcou uma série de encontros com autoridades em Brasília no início desta semana para defender a legalização do aborto no país, de forma voluntária com gestantes com até 12 semanas de gravidez.
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‘Sem descriminalização do aborto, mulheres são condenadas ao silêncio e à vergonha’ (O Globo, 23/03/205)
Mulheres, aborto e vacas (Vozes da Igualdade, março/2015)
Entre segunda (23) e terça-feira (24), o grupo se reúne com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), parlamentares e a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, para pedir apoio à causa.
Nas reuniões, será entregue uma carta que busca sensibilizar as autoridades para o assunto. Também será apresentado um abaixo-assinado, realizado pela internet, com mais de 3.300 assinaturas de apoio pedindo a legalização do aborto a órgãos do Legislativo, Executivo e Judiciário.
“Criminalizando o aborto, mulheres continuam morrendo, em condições ainda mais vis. Tamanhas violência e humilhação colocam em xeque a igualdade de gênero e os direitos individuais. É preciso retirar o debate sobre o aborto do âmbito do dogmatismo religioso e das investigações policiais e acolhê-lo ao espaço dos direitos humanos”, diz trecho da carta (leia a íntegra ao final desta reportagem).
A iniciativa surgiu no final do ano passado, após a morte de duas mulheres, no Rio de Janeiro, que buscaram clínicas clandestinas para interromper a gravidez. Elizangela Barbosa, com 32 anos e três filhos, morreu em setembro com perfurações no útero e no intestino ao tentar abortar uma criança em Niterói.
Em agosto, Jandira Magdalena dos Santos, de 27 anos, desapareceu no dia em que saiu para fazer um aborto. Ela morreu durante a operação em uma clínica clandestina e, no dia seguinte, seu corpo foi encontrado carbonizado, sem as digitais e a arcada dentária, dentro de um carro na Zona Oeste do Rio.
Uma das integrantes do grupo, Lena Lavinas, que é professora do Instituto de Economia da UFRJ, diz que o objetivo é também passar informações sobre o atual quadro de aborto no país.
“É para mostrar que existe grande parcela que não aceita essa hipocrisia de milhares de mulheres serem obrigadas a abortarem na criminalidade, que isso leva ao aumento da mortandade. Se, diante desse quadro, não tivermos política que reconheça a existência da prática, vamos começar a encher as prisões de mulheres, porque evidentemente as mulheres não vão deixar de fazer aborto”, disse ao G1.
Agenda
No Congresso, o grupo vai se reunir com os deputados Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Jandira Feghali (PC do B-RJ). Lavinas, no entanto, reconhece a dificuldade em aprovar uma mudança via Legislativo, em função do peso da bancada evangélica na Câmara, que busca tornar crime todas as formas de aborto, mesmo aquelas atualmente permitidas.
O próprio presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), declarou recentemente que a legalização do aborto não iria ser aprovada em sua gestão.
Na noite desta segunda (23), o grupo se reuniu com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. A reunião foi marcada com a ajuda da vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, a segunda maior autoridade do Ministério Público no país.
“Considero um tema importante. Minha atuação está envolvida com temas relacionados à violência contra a mulher”, afirmou Wiecko ao G1, antes de entrar no gabinete do ministro.
Mais cedo, à tarde, o grupo esteve com o ministro Luís Roberto Barroso. Em 2012, como advogado, ele defendeu, em nome do Conselho Federal de Medicina, a descriminalização do aborto para casos de anencefalia. Nesta quarta, o grupo deve ser recebido no STF pelos ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Teori Zavascki.
Entre os apoiadores do grupo está o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, o advogado e jurista Oscar Vilhena e o músico e escritor Tony Belloto. Foi convidada para as reuniões a senadora uruguaia Constanza Moreira, uma das principais articuladoras da legalização do aborto no Uruguai.
Leia abaixo a íntegra da carta do grupo:
O Brasil precisa dar ainda importantes passos a fim de garantir uma vida digna a suas cidadãs e seus cidadãos.
A sociedade brasileira manifestou profunda indignação e pesar, no fim do último ano, quando, na tentativa de interromper uma gravidez indesejada, duas jovens mulheres – Jandira e Elizângela – foram cruelmente assassinadas. A resposta primeira a essa tragédia foi de brutalização policial e criminalização, mantendo o sistema que condena milhares de mulheres anualmente a se tornarem fora da lei, clandestinas. Essa, certamente, não é maneira mais efetiva, justa ou decente de enfrentarmos a prática do abortamento, que extrapola os casos hoje autorizados em lei no Brasil. A proibição ao aborto, ademais, tem se mostrado inócua à sua prevenção.
A petição que ora entregamos reúne o apoio de milhares de indivíduos, mulheres e homens, que, como nós, entendem ser necessário descriminalizar o aborto, tratando-o como direito à saúde, à dignidade e à segurança.
Criminalizando o aborto, mulheres continuam morrendo, em condições ainda mais vis. Tamanhas violência e humilhação colocam em xeque a igualdade de gênero e os direitos individuais. É preciso retirar o debate sobre o aborto do âmbito do dogmatismo religioso e das investigações policiais e acolhê-lo ao espaço dos direitos humanos.
Nossa expectativa aos nos dirigirmos é fazer valer um novo entendimento sobre uma questão que exige um tratamento pautado por direitos constitucionais inalienáveis e valores republicanos.
Coletivo duas gerações de luta pelo aborto legal e seguro
Angela Freitas
Bila Sorj
Débora Thomé
Hildete Pereira Melo
Jacqueline Pitanguy
Leila Linhares
Lena Lavinas
Sonia Correa
Renan Ramalho
Acesse no site de origem: Grupo se reúne com autoridades em Brasília para pedir liberação do aborto (G1, 23/03/2015)