(O Estado de S. Paulo, 02/04/2015) Na decisão, o magistrado destacou que procedimento pretendido pela mãe não é previsto na legislação, mas ponderou: ‘a mulher gestante carregará em sua barriga, por nove meses, um ser sem vida, causando-lhe sofrimentos físicos e psicológicos’
A 1ª Vara Criminal de Goiânia (GO) autorizou na segunda-feira, 30, que uma mulher faça o aborto de um feto anencéfalo. O juiz Jesseir Coelho de Alcântara determinou que o procedimento seja realizado em clínica na capital goiana, pois considerou que o local que dispõe de condições aptas a realizar o procedimento adequado.
Ao pedir autorização, a mulher contou que está grávida de 20 semanas – 5 meses -, e que tem feitos exames de ultrassonografia com diferentes médicos especialistas. Segundo elas, todos constataram a anencefalia fetal. O relatório médico atestou que, além da anomalia, a gestação é de alto risco, uma vez que trata-se de encefalocele occipital grande (80% por cento do cérebro fora da cabeça), comprometendo assim a sobrevida em qualidade e quantidade.
Na decisão, o magistrado disse que o aborto pretendido pela mulher não é previsto na legislação atual, uma vez que o Código Penal só permitiu duas formas consideradas de “abortos legais”: o terapêutico ou necessário, previsto no artigo 128, inciso I, do Código Penal, para a hipótese em que há perigo concreto para a vida da própria gestante; e o aborto sentimental ou humanitário, da estuprada ou da vítima do atentado violento ao pudor, evidentemente, quando a gravidez resultou de estupro ou do atentado, sendo essa modalidade prevista no artigo 128, inciso II, do mesmo diploma legal.
“Como terceira hipótese, o aborto eugenésico ou eugênico, isto é, aquele que se compreende quando há sério ou grave perigo de vida para o nascituro (deformidades graves na criatura ou possibilidade da criança nascer com taras hereditárias), não é expressamente admitido pela lei penal”, explicou o juiz.
De acordo com Jesseir de Alcântara, foram realizados exames de ultrassonografias em unidades médicas diversas e idôneas diagnosticando a deformidade fetal, o que inviabiliza a vida do feto após o nascimento e coloca também em risco a vida da gestante.
“Infelizmente, é certa a morte do produto da concepção da requerente, não havendo procedimento médico capaz de corrigir a deficiência do órgão vital. Além do que, os riscos para a saúde e a vida da gestante, bem como os problemas psicológicos só tendem a aumentar com o passar do tempo, caso não haja a interrupção da gestação”, atestou.
O juiz disse ainda que já autorizou, em várias ocasiões, aborto de feto anencefálico, acatando parecer do Ministério Público e laudo médico específico. Observou também que já está comprovado pela medicina que o feto sem cérebro não possui vida e que fatalmente será expelido morto do útero feminino.
“Isso leva a concluir que a mulher gestante carregará em sua barriga, por nove meses, um ser sem vida, causando-lhe sofrimentos físicos e psicológicos. Para que impingir tal sofrimento sem necessidade alguma?”, questionou.
Em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal permitiu a interrupção da gravidez em casos de anencefalia. Na época, cinco ministros votaram a favor – Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Ricardo Lewandowski, hoje presidente da Corte, se posicionou contra a decisão. Ele justificou seu voto dizendo que qualquer decisão nesse sentido “abriria portas para a interrupção da gravidez de inúmeros embriões portadores de doenças que de algum modo levem ao encurtamento da vida”.
O ministro Dias Toffoli não votou – quando era advogado-geral da União, manifestou-se favorável à interrupção da gravidez no caso de anencéfalos.
O Conselho Federal de Medicina autoriza que, em caso de fetos diagnosticados com anencefalia, o próprio médico pode interromper a gravidez, sem autorização judicial. Segundo a Justiça, mesmo com a resolução, alguns profissionais ainda se sentem inseguros para agir.
Julia Affonso
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